A «mama»

Henrique Custódio

Duas manifestações em 15 dias, que levaram às ruas mais de um milhão de pessoas, fazem necessariamente mossa em qualquer um, a começar nos visados dos protestos: os (glosando Cardoso Pires) excelentíssimos dinossauros deste Governo cretáceo (houve quem preferisse «cretino» nos cartazes, o que, convenhamos, é notoriamente mais chegado aos factos).

A evidência da mossa estendeu-se ao mundo comentador, onde nem uma voz se ergueu a terçar armas pelo Executivo Passista.

Ao contrário, todos desataram a rezar missas por um Governo a quem agora entronizam como «defunto» e sobre o qual vão produzindo lautas pilhérias, aparentemente esquecidos dos encómios que ainda há pouco lhe dedicavam, louvando-lhe «a determinação» a fazer «o que era necessário», embora «doloroso».

Hoje, as adjectivações afinam mais pelo diapasão de que, neste Governo, são todos «umas bestas».

Também vai fazendo caminho a evidência de que esta repentina «ditadura do défice» apenas existe para encher as tulhas aos financeiros alemães e correlativos, que continuam a ir ao famoso «mercado» abastecer-se de euros a quase 0% de juros, para depois os «emprestarem» aos países em resgate a sete, oito, dez (e por aí acima), por cento.

Está, assim, patente ao País que a «união monetária e social», prometida com a moeda única, desembocou no que o PCP avisava, na altura: que a «união» seria apenas monetária e rapidamente evoluiria para monetarista, com os países de fortes economias (Alemanha à cabeça) a esbulharem os mais débeis com juros monstruosos, sob o pretexto dos «empréstimos» que lhes foram sendo feitos e agora brutalmente extorquidos a coberto da «ditadura do défice», ferreamente imposta aos, de repente, «relapsos e devedores».

Isto sem aprofundar o cerne do problema, que consiste no próprio sistema capitalista como fonte irreformável da injustiça que grassa e engrossa pelo mundo, pelo que a única solução é aniquilá-lo.

Resumindo, há duas evidências no País, que as recentes manifestações consolidaram.

Uma, de que esta política – por ordem e a coberto da troika –, de afogar quem trabalha em impostos sem fim, de desinvestir na economia produtiva, de destruir o mercado interno com a retracção económica provocada pelo desemprego assustador e a falência em cadeia das pequenas e médias empresas – que, por sinal, garantem a maioria esmagadora dos postos de trabalho –, só pode conduzir a uma espiral recessiva contínua e, daí, ao desastre sem remissão.

Outra, que este Governo está tão completamente desacreditado perante o País, que chegou à originalidade, sem precedentes no mundo dito democrático, de atribuir segurança pessoal a todos os seus ministros, para os «proteger» dos protestos que os esperam onde quer que apareçam...

Resta demonstrar ao País que há novo passo a dar para impor a mudança de política: derrubar este Governo e promover um que, afoitamente, rompa com a troika e os seus ditames.

Então se verá como todos os «senhores do euro» tremerão, perante a iminência do fim «da mama» que, cinicamente, têm atribuído aos «intervencionados do Sul».

 



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