Comentário

Chipre fora da agenda da UE

Inês Zuber

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A partir do passado mês de Julho a Presidência do Conselho Europeu passou a pertencer a Chipre, que tem estado, assim, presente no centro dos discursos solenes das instituições europeias. É certo que as questões económicas e a crise povoam a maioria dos discursos oficiais, não fosse a necessidade de os responsáveis europeus criarem a ilusão de que estão preocupados em resolver os problemas dos trabalhadores europeus. No entanto, arrogando-se a União Europeia de ser detentora dos princípios da justiça, da liberdade e da democracia, tendo tanto empenho na «evangelização» dos valores que considera praticar irrepreensivelmente, tendo tanta preocupação em expandir a sua acção externa claro, sempre em nome da «democracia» , não faria mal aos dirigentes europeus que gastassem um pouquinho mais do seu tempo a preocuparem-se com o facto de a população de um estado-membro da UE o Chipre viver diariamente sob ocupação estrangeira militar de um país invasor a Turquia. Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, em debate no Parlamento Europeu sobre o início das actividades da presidência cipriota, nem uma única palavra pronunciou sobre a chamada «questão cipriota». Catherine Ahton, Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança ou seja, responsável pelas políticas intervencionistas, ingerencistas e militaristas da UE tem-se pronunciado várias vezes sobre o Afeganistão, a Rússia, o Irão, a Síria e sobre outros focos que inquietam as preocupações da UE com a falta de democracia no mundo. Sobre o Chipre, nada se tem ouvido. Mas, por outro lado e apesar da estagnação do processo de adesão da Turquia à UE , Ashton (tal como Merkel, por exemplo) tem coincidido e elogiado o primeiro-ministro turco Erdogan na abordagem do conflito sírio. Não por acaso, a Turquia possui o segundo maior exército dos países da NATO e é uma parte estratégica para a consecução do plano da NATO «Grande Oriente Médio».

A ilha de Chipre e as suas populações são portadoras de uma riqueza histórica e cultural idiossincrática que é obrigação da humanidade preservar. A sua posição geográfica inscreveu na ilha um passado de tradições milenares que fazem parte do património comum do povo cipriota fenícios, assírios, egípcios, persas, ptolomeus, romanos, árabes, venezianos, turcos otomanos, ingleses foram alguns dos povos e civilizações que deixaram a sua marca em Chipre. As várias influências estão na origem da individualidade cipriota que se viu reflectida na conquista da soberania e da independência em 1960, na sequência de uma luta armada contra o governo colonial britânico. Em 1974, o golpe de Estado contra o presidente cipriota Makarios, levado a cabo pela ditadura militar da Grécia hoje, documentadamente, como parte de um plano da NATO abriu pretexto para que a Turquia invadisse o Chipre, em completa violação pela carta das Nações Unidas e pelo Direito Internacional. A parte Norte da ilha 36,2 por cento do território onde se encontra 70 por cento do seu potencial económico continua sob controlo militar da Turquia. Cerca de 200 mil cipriotas gregos foram deslocados das suas casas, mais de 1400 pessoas continuam desaparecidas. A situação no Chipre é trágica. Depois de milhares de anos de convivência pacífica entre as comunidades turco-cipriota e greco-cipriota, o que está hoje em causa é a própria existência do Chipre enquanto país, enquanto comunidade, enquanto cultura. A Turquia aplica uma política de segregação étnica, de colonização, de alteração demográfica da ilha, povoando-a de colonizadores habitantes e militares turcos que são já muito mais numerosos do que a comunidade turco-cipriota. A questão da divisão definitiva da ilha tornou-se ainda mais ameaçadora depois da descoberta de gás natural. A Turquia tem, cada vez mais, escolhido o caminho da provocação e do conflito ao iniciar explorações na Zona Económica Exclusiva Cipriota e ao afirmar que não participará em nenhum evento da UE enquanto o Chipre ocupar a sua presidência. As próprias instituições europeias e os seus representantes não se expressaram, no entanto, particularmente preocupadas com esta falta de reconhecimento de que são alvo.

Na União Europeia existe um povo que é forçado a viver separado por uma «linha verde» desenhada no seu território a qual é sinónimo de injustiça, violência e indignidade. Pergunta-se: por que razão os seus direitos à dignidade e à existência não fazem parte da agenda da UE?



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