Uma tragédia anunciada

Anabela Fino

Nos primeiros cinco meses do ano os centros de saúde registaram menos 562 mil consultas face ao mesmo período de 2011. Ao mesmo tempo, registou-se menos 283 mil urgências nos hospitais públicos e menos 400 mil atendimentos nos SAP. Os dados foram divulgados a semana passada pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que manifesta o seu agrado pela «desejável moderação do acesso» às urgências dos hospitais e atribui a quebra das consultas presenciais à «transferência para as consultas médicas não presenciais». Trata-se manifestamente de uma «explicação» no mínimo coxa já que as consultas por telefone e/ou pela Internet, embora registando um aumento significativo – mais 298 mil – não só não cobrem a totalidade dos utentes «desaparecidos» como não podem ser comparáveis, por motivos óbvios, às consultas presenciais. Quanto às urgências hospitalares, ficam por esclarecer as causas da «moderação» e, sobretudo, quais as suas consequências em termos de saúde da população.

Aparentemente, a ACSS não está preocupada e, a avaliar pelo que tem sido a prática do ministro da tutela, não seria de espantar que Paulo Macedo viesse um destes dias congratular-se por os portugueses estarem cada vez mais saudáveis graças à sua política. Tão saudáveis, tão saudáveis que nem precisam de ir ao médico!

Humor negro à parte, estes dados dão que pensar. Porque fala-se de números mas o que está em causa são pessoas. Pessoas sem dinheiro para pagar taxas moderadoras; pessoas que viram fechar o seu centro de saúde e/ou o SAP da sua zona e não têm meios para se deslocar a outro lado; pessoas que estando doentes e muito provavelmente em sofrimento se viram de um momento para o outro desprovidas do direito à saúde; pessoas a perder qualidade de vida – se não mesmo com a vida ameaçada – porque a saúde está a voltar a ser, como nos tempos do fascismo, um negócio de luxo a que os pobres não podem aceder.

Por isso importa defender por todos os meios o SNS, por ventura a mais humanista das conquistas de Abril. A sua destruição teria resultados catastróficos. A brutal quebra de meio milhão de consultas é apenas um sinal de alerta para uma tragédia que já começou.



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