Um Franco no Paraguai

Luís Carapinha

O golpe foi assestado no elo mais fraco da cadeia

Travestido de espúria legitimidade institucional, o golpe de estado que destituiu no Paraguai o Presidente Fernando Lugo, é uma realidade. O antigo bispo excomungado pela Igreja, eleito em 2008, foi afastado num processo de impugnação relâmpago concluído em 24 horas pelo Congresso em Assunção. Federico Franco, até então vice de Lugo, foi imediatamente investido no seu lugar. O golpe consumado a 22 de Junho assumiu contornos especialmente maquiavélicos. Lugo, o Presidente que se atravessou a mais de seis décadas ininterruptas de poder do Partido Colorado – que no período de 1954-89 suportou o regime fascista de Stroessner, a mais longa ditadura da América Latina –, foi acusado pelo massacre de Curuguaty ocorrido uma semana antes durante uma acção de expulsão de camponeses sem terra. Tudo se passou numa quinta de um grande proprietário paraguaio e antigo dirigente máximo do Colorado. Perderam a vida 11 camponeses e 6 polícias. Ter-se-á tratado, tudo indica, de uma bem urdida provocação, num cenário com a participação de franco-atiradores que traz à memória o sangue derramado em Caracas na montagem do golpe de 2002 na Venezuela. Uma acção de forças especiais típica do envolvimento da CIA que serviu de pretexto para a corrupta casta política oligárquica paraguaia concretizar a carta do golpe parlamentar e se desenvencilhar de Lugo, 14 meses antes do termo do seu mandato constitucional. Vale a pena percorrer o libelo acusatório deste golpe: «instigação da luta de classes»; «instigação da ocupação de terras»; «promover o ódio entre paraguaios e a luta violenta entre ricos e pobres»; e, ainda, «atentar contra a soberania da República do Paraguai» – suprema hipocrisia para uma vetusta classe política desde sempre agachada a Washington. EUA, Alemanha e Vaticano que não tardaram em paramentar Franco com o véu democrático.

Sem sombra de dúvida o golpe foi assestado no elo mais fraco da cadeia, constituindo importante ameaça aos processos democráticos e progressistas latino-americanos e à dinâmica de cooperação e integração que afronta a hegemonia do tio Sam no seu “quintal”. Três anos depois da deposição, em 28 de Junho de 2009, de Zelaya nas Honduras, o imperialismo recorre no Paraguai a expedientes sofisticados e à camuflagem institucional. Nem sempre tem sido assim. Sem sair de Junho bastaria lembrar o golpe de estado que há 39 anos instaurou no Uruguai a ditadura sangrenta que perdurou até 1985. Viviam-se os tempos da tenebrosa Operação Condor articulada pela CIA nos países do Cone Sul. Mais atrás, mas bem presente na memória, foi também noutro aziago 28 de Junho, em 1954, que os EUA invadiram a Guatemala e derrubaram o seu presidente legítimo, Jacobo Arbenz, com a «Operação Sucesso». Na fase actual, o «sucesso» das Honduras e Paraguai depara-se com as intentonas golpistas frustradas na Venezuela, Bolívia e Equador, países integrantes da ALBA.

A estratégia anti-democrática e terrorista do imperialismo, no passado responsável por décadas de ditaduras militares e centenas de milhares de assassinatos políticos na América Latina, continua bem viva. O golpe no Paraguai é também um amargo ensinamento. A eleição de Lugo revestiu-se de genuíno carácter popular. Mas o domínio absoluto dos partidos do sistema nas duas câmaras do Parlamento e no aparelho de Estado nunca deu tréguas, a começar pelo próprio vice-presidente Franco do Partido Liberal, impedindo o avanço democrático e reforçando o isolamento do Presidente da sua base social. As concessões à direita apenas aumentaram as debilidades.

Entretanto, a constituição nestes dias da Frente de Defesa da Democracia e as iniciativas de reforço da unidade do campo popular paraguaio são motivo de confiança. Tal como a firme solidariedade de variadas forças políticas e dos países da região, expressa nas posições de condenação do golpe adoptadas nas cimeiras do Mercosur e Unasur. Contra as forças do passado, há que contar com o papel decisivo da resistência e luta populares.



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