Comentário

Δημοκρατία (Democracia)

João Ferreira

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1. Em grego se es­creveu pela pri­meira vez a pa­lavra de­mo­cracia. Mas por estes dias, a Grécia é palco maior (em­bora não único) do con­fronto cres­cente entre o pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ro­peia e a de­mo­cracia – mesmo que en­ten­dida já só num plano me­ra­mente formal.

Há poucos meses, Ale­manha e França, num acto de in­ge­rência di­recta sem pre­ce­dentes na vida in­terna do país, de­ter­mi­naram a com­po­sição de um novo go­verno, de­pois de des­con­vo­carem um re­fe­rendo anun­ciado, horas antes, pelo pri­meiro-mi­nistro grego. Es­go­tadas as con­di­ções para con­ti­nuar a fazer o ser­viço sujo que foi cha­mado a fazer, Pa­pan­dreou re­cebeu guia de marcha.

A 6 de Maio úl­timo, o povo grego ex­pressou nas urnas uma for­tís­sima con­de­nação das prin­ci­pais forças po­lí­ticas que in­te­graram esse go­verno – aquelas que de­fen­deram e exe­cu­taram os planos de agressão e de ex­torsão do FMI e da UE. A di­reita da Nova De­mo­cracia e os so­ciais-de­mo­cratas do PASOK reu­niram, juntos, pouco mais de 30 por cento dos votos. Em 2009 ha­viam so­mado perto de 80 por cento. O LAOS, um par­tido de ex­trema-di­reita que havia ob­tido seis por cento dos votos em 2009, perdeu a re­pre­sen­tação par­la­mentar. Não houve con­di­ções para as­se­gurar um go­verno que pros­se­guisse o saque e a ex­plo­ração.

Nas úl­timas se­manas, a Grécia e o seu povo foram su­jeitos a uma inau­dita ope­ração de chan­tagem. O cor­tejo de pres­sões e de ame­aças, por parte de res­pon­sá­veis de go­vernos, da pró­pria União Eu­ro­peia e das suas ins­ti­tui­ções, do FMI, em suma, por parte do grande ca­pital e das ins­ti­tui­ções ao seu ser­viço, as­sumiu ex­pres­sões di­versas, con­ver­gindo to­davia num único sen­tido: vergar o povo grego, mos­trar-lhe que não há al­ter­na­tiva à sub­missão à troika e aos seus planos.

Não obs­tante, nas elei­ções de do­mingo, o povo grego voltou a con­denar, mai­o­ri­ta­ri­a­mente, esta sub­missão. Desta feita, porém, por via de um sis­tema elei­toral que dis­torce for­te­mente, na re­pre­sen­tação par­la­mentar, o voto po­pular ex­presso nas urnas, os re­sul­tados pos­si­bi­litam a for­mação de um go­verno que pros­siga os planos da UE para a Grécia. Tal foi pron­ta­mente sau­dado, em coro afi­nado, pela Co­missão Eu­ro­peia e por di­fe­rentes go­vernos – os que mandam nela e aqueles em quem ela manda.

 

2. O novo tra­tado eu­ropeu – que PSD, PS e CDS se apres­saram a aprovar, à so­capa, na As­sem­bleia da Re­pú­blica – prevê, entre ou­tras, a cha­mada «regra de ouro», que impõe um li­mite de dé­fice es­tru­tural de 0,5 por cento do PIB. Como já aqui se disse, esta regra pre­tende nada menos do que ge­ne­ra­lizar e eter­nizar o con­teúdo dos ac­tuais pro­gramas FMI-UE, em curso em Por­tugal, na Grécia e na Ir­landa. De acordo com o tra­tado, os es­tados ficam obri­gados a transpor esta regra para o di­reito na­ci­onal através de dis­po­si­ções vin­cu­la­tivas e de ca­rácter per­ma­nente, de pre­fe­rência a nível cons­ti­tu­ci­onal. Merkel es­cla­receu a in­tenção: trata-se de um ins­tru­mento para que «mu­dando os go­vernos, não mude a po­lí­tica». Por ou­tras pa­la­vras, um ins­tru­mento que per­mita ig­norar e con­tra­riar, se assim tiver de ser, a von­tade so­be­rana dos povos.

Quando a regra não for aca­tada, o pró­prio tra­tado – ao qual, re­pita-se e su­blinhe-se, PSD, PS e CDS qui­seram amarrar o país – prevê as con­sequên­cias: para além de multas se­veras, são ac­ci­o­nados me­ca­nismos ditos au­to­má­ticos, de­fi­nidos no di­reito da União Eu­ro­peia, que co­locam di­rec­ta­mente nas mãos da Co­missão Eu­ro­peia a de­cisão sobre as re­formas es­tru­tu­rais que o país pre­va­ri­cador terá de levar a cabo.

Mas mesmo antes disso, de­ci­sões fun­da­men­tais da vida de um país – por exemplo, sobre po­lí­tica e op­ções or­ça­men­tais, emissão de dí­vida ou sobre re­formas de po­lí­tica eco­nó­mica – passam a estar su­jeitas ao es­cru­tínio prévio (e apro­vação) de en­ti­dades ex­ternas: o Con­selho e a Co­missão Eu­ro­peia.

 

3. Os de­sen­vol­vi­mentos em curso na UE con­firmam que o apro­fun­da­mento da crise do ca­pi­ta­lismo e, bem assim, a gestão que o sis­tema vem fa­zendo desta sua crise, com­portam pe­rigos evi­dentes para a de­mo­cracia. Neste quadro, as ten­ta­tivas de sub­missão na­ci­onal em curso re­pre­sentam, in­dis­cu­ti­vel­mente, um in­qui­e­tante e pe­ri­goso ataque à de­mo­cracia. Quem, afir­mando-se à es­querda, não o per­ceber, ou não o quiser per­ceber, será co­ni­vente com ele.

Nas duras lutas so­ciais que per­correm o nosso e ou­tros países eu­ro­peus é também a de­mo­cracia e a sua de­fesa que estão em causa. Uma de­mo­cracia im­per­feita, sem dú­vida, dis­tante ainda da de­mo­cracia avan­çada que de­fen­demos para o nosso País e que pro­pomos ao nosso povo, mas que cons­titui, mesmo assim, um obs­tá­culo para a con­cre­ti­zação dos in­sa­ciá­veis ob­jec­tivos de pi­lhagem e de ex­plo­ração do grande ca­pital.



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