Sobre uma dita esquerda livre

Vasco Cardoso

Com o habitual eco na comunicação social foi tornado público um dito manifesto por uma «esquerda livre».

Estamos habituados a uma certa apropriação da palavra liberdade. O capitalismo é mestre nesse ofício: «mercado livre»; «liberdade de circulação»; «livre concorrência», etc. E podemos dizer que o truque, neste dito manifesto, não andou distante. Mas pergunte-se:

Pode ser livre uma esquerda que não identifica – evita até – nem pretende combater os grupos económicos e financeiros e as suas responsabilidades na situação actual?

Pode ser livre uma esquerda que não questiona o capitalismo, as suas relações de exploração, as suas estruturas de poder como a UE ou o FMI e os governos ao seu serviço?

Pode ser livre uma esquerda que não aponta responsabilidades ao PS perante o seu comprometimento com o grande capital e com o rumo de desastre nacional?

Pode ser livre uma esquerda que não reconheça a actual dimensão da luta dos trabalhadores e das suas organizações de classe e que finge ignorar as condições em que essa luta se trava actualmente no nosso País?

Na verdade, esta dita esquerda livre, ao se posicionar assim – o tempo dirá qual o percurso deste processo – não está livre, está presa! Está no fundo, prisioneira dos mesmos interesses que não confronta nem pretende confrontar.

E por tudo isto também há, na intenção dos que promovem este manifesto, qualquer coisa de insulto: àqueles que, livremente, estão na primeira linha da luta por uma ruptura com a política de direita; àqueles que livremente não só apontam as causas, como identificam os responsáveis pela actual situação; àqueles que livremente estão nas empresas e nas ruas a construir todos os dias uma ampla e profunda resistência ao pacto de agressão; àqueles que querem a unidade dos democratas e dos patriotas, não para perpetuar a exploração, conter a indignação e a revolta, mas para abrir caminho às necessárias e profundas transformações sociais, económicas e políticas de que o país precisa; àqueles que, livremente, não abandonam o objectivo de construir uma sociedade sem exploração, um mundo de homens e mulheres, verdadeiramente, livres.



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