As brisas

Henrique Custódio

No nosso País, é tão evidente que a política de austeridade desenfreada não conduz a nada de bom e só agrava as coisas más, que os comentadores do reino já semeiam remoques contra a situação.

Aqui ou ali, falam mesmo em «renegociações da dívida», esquecidos de que ainda há um par de meses se persignavam freneticamente, abjurando tal sacrilégio.

É claro que a situação grega tem feito mossa nas luminárias que debitam opiniões cá pelo burgo – neles e por toda a União Europeia, valha a verdade –, pelo que os seus discursos, como de costume, inflam por onde lhes parece surdir o vento.

Ora o vento que agita a Grécia está a arrepiar «a Europa» – sobretudo quem nela manda –, desencadeando uma ofensiva de chantageamento do povo grego nunca vista nas «Europas connosco». E porquê?

Porque, nas eleições de há uns dias atrás, o eleitorado grego tornou plausível duas temíveis coisas, ao reduzir a escombros as votações dos dois partidos que têm desgovernado a Grécia de há três décadas para cá.

Uma, que o massacre indiscriminado dos povos levado a cabo pelas «ditaduras do défice» podem conduzir a revoltas que se reflectem no próprio jogo das eleições burguesas.

Outra, que tais revoltas, traduzidas em levantamentos eleitorais contra os partidos de direita responsáveis pelo desgoverno, tendem a contrabalançar-se no apoio ao lado oposto, o da esquerda. E isso é que baralha seriamente o «jogo democrático» das eleições burguesas que, de tão bem oleado em largas décadas de experiência, tem sempre garantido a hegemonia da direita na governação dos povos.

Por isso, a chantagem dos que mandam na União Europeia sobre o eleitorado grego tem sido obscena, com expoente na sra. Merkel, essa mulher fatal, que chegou a «advertir» o povo grego de que, «se não apoiasse» as medidas de austeridade nas próximas eleições de Junho, podia ter de... «sair do euro».

Os comentadores e analistas da paróquia afinaram pelo diapasão europeu e têm sido os mais tremendistas em relação à Grécia.

Que «a catástrofe» paira sobre o berço da democracia ocidental, caso os cidadãos dêem a «maioria à esquerda» nas próximas eleições gregas, é o raciocínio genérico das mentes lusitanas com pendão e caldeira nas tribunas jornalísticas.

Fazendo suas as dores e angústias dos poderosos da Europa, os nossos «fazedores de opinião» amplificam-nas sem pudor nem resquício da sua proclamada «democracia», ao vaticinarem inenarráveis horrores para a Grécia e o seu povo, caso votem maioritariamente nos que «não apoiam a austeridade».

Nem reparam que, de uma assentada, negam a essência da democracia que defendem – quem ganha é que forma um Executivo – e a sua decorrente legitimidade – quem forma um Executivo é que governa.

Pelo que se conclui que, para muita preclara gente do comentário nacional, a «democracia» só serve... desde que garanta o poder à direita.

Isto até soprar nova «brisa das Europas», evidentemente.



Mais artigos de: Opinião

Sobre uma dita esquerda livre

Com o habitual eco na comunicação social foi tornado público um dito manifesto por uma «esquerda livre». Estamos habituados a uma certa apropriação da palavra liberdade. O capitalismo é mestre nesse ofício: «mercado livre»; «liberdade de...

Lima, o branqueamento e a <i>troika</i>

No capítulo d'O Capital em que trata a «acumulação original», Marx desmonta o processo de transformação das relações sociais de produção até ao capitalismo e explica a acumulação primitiva do capital –«na...

Esplendor social

Entre 2011 e 2012, segundo dados do INE, a percentagem de trabalhadores com salários líquidos inferiores a 310 euros (trezentos e dez!) por mês aumentou de 3,7 por cento para quatro por cento; entre 310 e 600 euros subiu de 31,1 para 31,5 por cento, e entre 600 e 900 euros passou de 26,8 para 27,9 por...

Indignação: espontaneidade e manipulação

O silenciamento pela imprensa diária da grande manifestação do PCP contra o pacto de agressão no dia 12 de Maio no Porto, ao mesmo tempo que a uma acção dita de «indignados» eram dedicadas páginas inteiras, é um caso particularmente grave de...