As brisas
No nosso País, é tão evidente que a política de austeridade desenfreada não conduz a nada de bom e só agrava as coisas más, que os comentadores do reino já semeiam remoques contra a situação.
Aqui ou ali, falam mesmo em «renegociações da dívida», esquecidos de que ainda há um par de meses se persignavam freneticamente, abjurando tal sacrilégio.
É claro que a situação grega tem feito mossa nas luminárias que debitam opiniões cá pelo burgo – neles e por toda a União Europeia, valha a verdade –, pelo que os seus discursos, como de costume, inflam por onde lhes parece surdir o vento.
Ora o vento que agita a Grécia está a arrepiar «a Europa» – sobretudo quem nela manda –, desencadeando uma ofensiva de chantageamento do povo grego nunca vista nas «Europas connosco». E porquê?
Porque, nas eleições de há uns dias atrás, o eleitorado grego tornou plausível duas temíveis coisas, ao reduzir a escombros as votações dos dois partidos que têm desgovernado a Grécia de há três décadas para cá.
Uma, que o massacre indiscriminado dos povos levado a cabo pelas «ditaduras do défice» podem conduzir a revoltas que se reflectem no próprio jogo das eleições burguesas.
Outra, que tais revoltas, traduzidas em levantamentos eleitorais contra os partidos de direita responsáveis pelo desgoverno, tendem a contrabalançar-se no apoio ao lado oposto, o da esquerda. E isso é que baralha seriamente o «jogo democrático» das eleições burguesas que, de tão bem oleado em largas décadas de experiência, tem sempre garantido a hegemonia da direita na governação dos povos.
Por isso, a chantagem dos que mandam na União Europeia sobre o eleitorado grego tem sido obscena, com expoente na sra. Merkel, essa mulher fatal, que chegou a «advertir» o povo grego de que, «se não apoiasse» as medidas de austeridade nas próximas eleições de Junho, podia ter de... «sair do euro».
Os comentadores e analistas da paróquia afinaram pelo diapasão europeu e têm sido os mais tremendistas em relação à Grécia.
Que «a catástrofe» paira sobre o berço da democracia ocidental, caso os cidadãos dêem a «maioria à esquerda» nas próximas eleições gregas, é o raciocínio genérico das mentes lusitanas com pendão e caldeira nas tribunas jornalísticas.
Fazendo suas as dores e angústias dos poderosos da Europa, os nossos «fazedores de opinião» amplificam-nas sem pudor nem resquício da sua proclamada «democracia», ao vaticinarem inenarráveis horrores para a Grécia e o seu povo, caso votem maioritariamente nos que «não apoiam a austeridade».
Nem reparam que, de uma assentada, negam a essência da democracia que defendem – quem ganha é que forma um Executivo – e a sua decorrente legitimidade – quem forma um Executivo é que governa.
Pelo que se conclui que, para muita preclara gente do comentário nacional, a «democracia» só serve... desde que garanta o poder à direita.
Isto até soprar nova «brisa das Europas», evidentemente.