Agora é que é

Anabela Fino

Como quase sempre acontece nos momentos de grande tensão parece que quase ninguém se está a dar conta de que estamos a viver dias decisivos para o futuro dos portugueses. Ouve-se a rádio, vê-se a televisão, lê-se os jornais e a catadupa de notícias mal aflora – se é que o faz – o que verdadeiramente nos deveria manter em estado de alerta.

Vemos, ouvimos e lemos que um homem saiu de casa com as mãos nos bolsos vazios e caminhou sem destino até se perder no rio, na linha de caminho de ferro ou numa ponte qualquer onde se suicidou porque estava desempregado, mas isso não tem importância nenhuma, ainda que as estatísticas revelem que no último ano o número de suicídios em Portugal tenha ultrapassado pela primeira vez o número de mortos na estrada, onde como se sabe somos campeões.

Vemos, ouvimos e lemos que há cada vez mais crianças nas escolas que ao invés de participarem na empolgante aventura de aprender elanguescem nas carteiras sonhando com o almoço que lhes há-de reconfortar por momentos os pequenos estômagos vazios com a única refeição quente do dia, mas isso não tem qualquer relevância e de tão comum soa já a intróito da entrada em cena do ministro que inaugura «cantinas populares» com o mesmo sentido de responsabilidade com que condena à indigência milhares e milhares de famílias.

Vemos, ouvimos e lemos que morre cada vez mais gente a caminho dos hospitais porque não é possível passar 40 minutos a fazer reanimação cardíaca numa ambulância sem meios de suporte de vida, ou a soltar o último suspiro numa maca de hospital a rebentar pelas costuras, mas isso não é nada, rigorosamente nada, num país a braços com uma revolução na saúde a cargo de um ministro com provas dadas no negócio.

Vemos, ouvimos e lemos que todos os dias 100 jovens abandonam o Ensino Superior por carência económica, mas isso mais não é do que um acidente de percurso no contexto de um projecto de reestruturação de meios e rearrumação de classes que há 38 anos, por mero acidente histórico, se tresmalharam.

Vemos, ouvimos e lemos que milhões de trabalhadores estão com a corda na garganta, à míngua de salário – caso tenham emprego – para pôr na mesa o pão de cada dia, ou reduzidos à côdea do desespero se lhes calhou ficarem desempregados, ou à humilhação da caridade se desprovidos até do subsídio para que descontaram durante anos de trabalho, mas isso não passa de um dano colateral de um desígnio maior que o tempo se encarregará de resolver.

Tudo isto e muito mais que nem vale a pena trazer aqui à colacção só serve para nos distrair do grande, único e transcendente caso que a todos devia convocar: o duelo de gigantes aprazado para esta sexta-feira, 27, sem hora marcada mas seguramente à hora de todos os noticiários. Não fora tanta distracção com questões de lana caprina como as atrás referidas, e a esta hora já se ouviria o rufar de tambores anunciando o combate do século. Sexta-feira – pode dizer-se sem hesitações – é para Portugal o dia D.

Nada ficará como dantes depois de sexta-feira. Como? Pois será possível que haja quem não saiba?

Triste Pátria que tais filhos tem... Sexta-feira termina o prazo dado pela UGT de Proença a Passos Coelho para apresentar propostas de crescimento e emprego! Agora é que vamos ver como eles mordem.



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