Um Partido que não fica à espera

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política)

Ao contrário daquilo que os centros de decisão do poder económico, e também político, procuram impor no plano ideológico, o pacto de agressão que está em curso não foi uma ruptura com a política de direita que vinha de trás. Foi sim, a sua aceleração e agravamento visando o aumento da exploração, o saque dos recursos nacionais, o empobrecimento, a degradação do regime democrático, a limitação da soberania nacional.

A ruptura com a política de direita é uma questão de fundo

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O ritmo vertiginoso que está a ser imposto – com novas (velhas?!) e gravosas medidas a serem anunciadas dia após dia – diz-nos como é que as classes dominantes encaram esta fase da vida nacional e da própria crise do capitalismo: uma «oportunidade» para liquidarem o que não conseguiram liquidar ao longo de mais de três décadas de contra-revolução. Um ajuste de contas com tudo quanto de mais avançado foi alcançado com Abril.

O grande capital conta com um governo PSD/CDS-PP inteiramente ao seu serviço. A sua composição – com gente vinda directamente dos grupos económicos, como é o caso do ministro da Saúde – é um exemplo disso. Mas é sobretudo a sua actuação, seja em questões transversais como as alterações à legislação laboral, seja em múltiplos exemplos concretos como o roubo dos subsídios de férias e de Natal, que nos mostra a natureza de classe da sua política. Seria no entanto errado reduzir tudo isto à acção do Governo.

 

Uma política à imagem do Presidente

 

Cavaco Silva, no seu já longo percurso, ganhou o direito de figurar entre os principais responsáveis pela destruição das condições de vida de milhões de portugueses ao longo dos últimos 25 anos. Não há nódoa na vida nacional que não tenha o seu dedo, a sua iniciativa ou envolvimento. Das criminosas privatizações à generalização do trabalho precário. Da obediência servil às imposições da União Europeia à repressão sobre os trabalhadores. Da tentativa de destruição do SNS e da escola pública aos escândalos de corrupção como o do BPN. Cavaco esteve em todas.

Cavaco foi enquanto ministro e primeiro-ministro e, agora, como Presidente da República, um homem de mão dos principais grupos monopolistas. Esse mesmo reconhecimento teve-o na última campanha eleitoral naquele simbólico abraço dado por Belmiro de Azevedo.

Meses depois, Cavaco receberia os banqueiros sob o olhar das câmaras e associava-se ao governo PS, ao PSD e ao CDS, no accionamento do processo de intervenção externa do FMI e da UE. De então para cá, apesar das várias intervenções públicas em que procura sacudir responsabilidades, Cavaco é a «voz dos mercados». Aquele que, em confronto com a Constituição da República, ampara e estimula tudo quanto o Governo quer impor. Hoje, como antes, Cavaco é parte do problema e não da solução.

 

PS – apoiar a política do Governo fingindo-se oposição

 

O PS carrega igualmente a marca de quem serviu ao longo de décadas os interesses das classes dominantes. De Soares a Sócrates o PS fez mais de que uns simples «fretes» à direita. Foi autor material da política de reconstituição monopolista, de sucessivas revisões da Constituição, dos contratos a prazo, do encerramento de serviços públicos, dos PEC, da submissão à UE e à NATO. As suas ligações ao grande capital, numa teia de interesses em que cada um destes partidos se movimenta, estão gravadas ao longo dos anos nos exemplos de Jorge Coelho/Mota-Engil, Armando Vara/BCP, Luís Amado/Banif, etc.

Hoje, fora do governo, os «repuxos de eloquência» da actual direcção não chegam para apagar responsabilidades. Da «abstenção violenta» ao Orçamento do Estado, passando pelas múltiplas declarações de voto nas alterações à legislação laboral, até ao chamado «Protocolo Adicional» que pretendiam aprovar para esconder o voto a favor do «Pacto Orçamental da UE», o PS faz o caminho da demarcação retórica do Governo ao mesmo tempo que apoia o essencial da sua política.

O PS não está neste Governo, não porque esteja contra a sua política, mas porque – nos interesses do grande capital – não foi preciso.

 

As muitas exigências que se colocam ao nosso Partido

 

Tal como noutros momentos, aos trabalhadores e ao povo português não se coloca apenas o objectivo de derrotar este Governo, mas o de derrotar a sua política. A diversificação, alargamento e intensificação das lutas terão uma importância cada vez mais decisiva, não só para atrasar, barrar e impedir a concretização de muitas das medidas do pacto de agressão, mas também para consolidar um processo de acumulação de forças que seja capaz de impor a sua rejeição.

A ruptura com a política de direita que o PCP tem vindo a propor ao povo português, a ruptura com os interesses do grande capital monopolista, com o processo de integração capitalista da União Europeia, com o rumo de exploração e empobrecimento que está a ser concretizado – e que abra caminho a uma política patriótica e de esquerda – é uma questão de fundo na vida política nacional.

O Partido não ficará à espera que essa compreensão se alargue entre os trabalhadores e o povo português por si. Na resposta à situação actual, as necessidades de reforço do Partido e de desenvolvimento da luta de massas cruzam-se e interagem entre si, e exigem um grande esforço dos quadros e das organizações do PCP numa intervenção diária sem paralelo na vida nacional. Estas duas condições – luta de massas; reforço do PCP – revelam-se como as mais decisivas e determinantes para impor outro rumo para o País. E por tudo isto, estarão no coração da preparação do XIX Congresso do PCP e nas muitas lutas que travaremos pela democracia e pelo socialismo.



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