Jerónimo de Sousa acusa Governo de ter visão fundamentalista contra os trabalhadores

Nem «bíblia» nem «vaca sagrada»

A jus­ti­fi­cação do Go­verno para o novo golpe brutal contra os tra­ba­lha­dores através de me­xidas na le­gis­lação la­boral – mais com­pe­ti­ti­vi­dade e cres­ci­mento eco­nó­mico – não bate certo com as úl­timas pre­vi­sões do Banco de Por­tugal que apontam para es­tag­nação e mais de­sem­prego. «Al­guém está a en­ganar al­guém», con­cluiu o Se­cre­tário-geral do PCP, pe­rante o óbvio des­fa­sa­mento.

Banco de Por­tugal prevê es­tag­nação e de­sem­prego

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Je­ró­nimo de Sousa trouxe esta questão para o centro do de­bate quin­zenal de sexta-feira pas­sada com o pri­meiro-mi­nistro, quando ainda es­tavam bem frescos os factos que estão na base da evi­dente dis­so­nância entre pro­pó­sitos enun­ci­ados e o ce­nário que se avi­zinha.

Por um lado, na an­te­vés­pera, «com auto-con­ven­ci­mento e ar­ro­gância», como ob­servou o líder co­mu­nista, o Go­verno veio jus­ti­ficar as al­te­ra­ções ao Có­digo do Tra­balho ar­gu­men­tando que estas são ne­ces­sá­rias para au­mentar a com­pe­ti­ti­vi­dade e o cres­ci­mento eco­nó­mico, para criar mais em­prego.

Só que logo a se­guir, no seu re­la­tório de Pri­ma­vera, veio o Banco de Por­tugal dizer que as­sis­ti­remos em 2013 a uma es­tag­nação da eco­nomia e à li­qui­dação entre este ano e o pró­ximo de 207 mil postos de tra­balho.

Daí que Je­ró­nimo de Sousa tenha con­si­de­rado im­por­tante saber se es­tamos pe­rante «um en­gano in­cons­ci­ente ou uma men­tira pen­sada», en­ten­dendo que o pri­meiro-mi­nistro não podia fugir à res­pon­sa­bi­li­dade de es­cla­recer esta questão e dar «uma res­posta con­creta que vai ficar re­gis­tada».

É que para Je­ró­nimo de Sousa se um en­gano «pode acon­tecer a qual­quer um» já uma «men­tira pen­sada será razão com cer­teza para que este Go­verno fique a mais» à frente dos des­tinos da Re­pú­blica.

 

Fa­lhanço

 

Sem es­ca­pa­tória, o pri­meiro-mi­nistro teve de re­co­nhecer que «o Go­verno viu as suas pre­vi­sões con­tidas no OE para 2012 ul­tra­pas­sadas re­la­ti­va­mente à ma­téria do de­sem­prego», tendo, por isso, que «ac­tu­a­lizar em alta essas pre­vi­sões», as quais, in­formou, «cons­tarão do or­ça­mento rec­ti­fi­ca­tivo».

«In­fe­liz­mente, as­sis­ti­remos ainda a um agra­va­mento da si­tu­ação do de­sem­prego em Por­tugal du­rante este ano», afirmou, numa inad­ver­tida con­fissão de fa­lência da sua po­lí­tica, ainda que tenha pro­cu­rado mi­tigar a gra­vi­dade da si­tu­ação adi­an­tando que o seu Exe­cu­tivo está a tra­ba­lhar para «ate­nuar esses efeitos». De que modo? Desde logo, arengou, re­pe­tindo cos­tu­meiras ge­ne­ra­li­dades, através das já fa­mosas «po­lí­ticas ac­tivas de em­prego» e, em se­gundo lugar, «tra­ba­lhando es­tru­tu­ral­mente para ga­rantir que no fu­turo as nossas em­presas possam ser mais com­pe­ti­tivas».

E es­cla­receu que a questão do có­digo la­boral, para o seu Exe­cu­tivo, em­bora não seja «a única», é «uma peça re­le­vante para a com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas».

Es­cudou-se ainda no pacto de agressão, onde disse estar ins­crita esta mu­dança nas leis la­bo­rais, para ga­rantir que todos os com­pro­missos aí as­su­midos são para cum­prir, adi­an­tando, por outro lado, que tudo está a «ser im­ple­men­tado nos termos do que ficou acor­dado com os par­ceiros so­ciais», no­me­a­da­mente com a UGT que, en­fa­tizou, com­provou que «nas novas re­gras a in­cluir no Có­digo de Tra­balho não há ne­nhuma que seja mais gra­vosa do que aquela que es­tava pre­vista no pro­grama de as­sis­tência eco­nó­mica».

A in­ques­ti­o­nável uti­li­dade e o imenso jeito que dá ao Go­verno (a este e aos que o pre­ce­deram) ter assim à mão uma mu­leta como a UGT, que as­sume o papel de ava­lista das suas mal­fei­to­rias, vol­taram a ficar pa­ten­te­ados com cla­reza.

Tor­ne­ando li­te­ral­mente a questão que lhe fora co­lo­cada, Passos Co­elho, a con­cluir, li­mitou-se a dizer que o «ce­nário tra­çado» por Je­ró­nimo de Sousa «não é aquele» com que o Go­verno está a tra­ba­lhar.

 

Con­tra­di­ções

 

Na ré­plica, de­pois de fazer notar ao chefe do Go­verno que não ex­pli­cara a con­tra­dição, lem­brando-lhe que a vida se en­car­re­gará de a pôr a nu de «forma ir­re­fu­tável», o líder do PCP, alu­dindo ainda às pa­la­vras por aquele pro­fe­ridas, acusou-o de ver no pacto de agressão uma «bí­blia» e no cha­mado acordo de con­cer­tação so­cial «uma vaca sa­grada».

Re­pu­diada por Je­ró­nimo de Sousa foi ainda essa fa­lácia as­sente na pre­missa se­gundo a qual as me­didas do Go­verno pro­por­ci­o­narão mais em­prego no fu­turo. «Propõe mais de­sem­prego através da cri­ação de bolsas de horas, da fa­ci­li­tação dos des­pe­di­mentos e do seu em­ba­ra­te­ci­mento, da re­dução do pa­ga­mento das horas ex­tra­or­di­ná­rias, do corte dos dias de fé­rias e fe­ri­ados e vem dizer aqui à AR que isso vai per­mitir mais em­prego», afirmou o líder co­mu­nista, pre­ci­sando que é aqui que re­side essa «con­tra­dição in­sa­nável» que a vida se en­car­re­gará de de­mons­trar: «ou está en­ga­nado com in­cons­ci­ência ou está a mentir de forma pen­sada».


Dis­tri­buição dos sa­cri­fí­cios por todos?

Uma ova…

 

Tema sus­ci­tado pelo Se­cre­tário-geral do PCP foi também o da aus­te­ri­dade. Não es­condeu, a este pro­pó­sito, a sua es­tu­pe­facção pe­rante afir­ma­ções se­gundo as quais os sa­cri­fí­cios que o Go­verno tem vindo a impor tocam a todos de forma equi­ta­tiva.

Sem falar das «con­di­ções dra­co­ni­anas e da vi­o­lência do ataque» às con­di­ções de vida das pes­soas, dos tra­ba­lha­dores, dos re­for­mados, dos pe­quenos e mé­dios em­pre­sá­rios, essa «longa e negra lista» que se dis­pensou de es­miuçar, Je­ró­nimo de Sousa não quis porém deixar de con­vidar o pri­meiro-mi­nistro a es­cla­recer, quando alude à equi­dade e à im­po­sição de sa­cri­fí­cios, quais são exac­ta­mente os sa­cri­fí­cios que pesam sobre os grandes grupos eco­nó­micos, sobre os grandes ac­ci­o­nistas.

«Olhando para os lu­cros fa­bu­losos ob­tidos por grandes dis­tri­bui­doras, pelas edps, pelas pts, diga lá quais foram os sa­cri­fí­cios dos seus ac­ci­o­nistas com­pa­ra­ti­va­mente a um re­for­mado que ganha 600 euros e que viu a sua re­forma ficar mais baixa, os sub­sí­dios cor­tados?», de­sa­fiou Je­ró­nimo de Sousa, in­ter­pe­lando Passos Co­elho, a quem lem­brou que «a estes dói» e dói muito a aus­te­ri­dade im­posta de forma cruel pelo Go­verno ao con­trário do que acon­tece com os «grandes se­nhores do di­nheiro».

«Diga lá quais os sa­cri­fí­cios que o Go­verno impôs para jus­ti­ficar esta te­oria da equi­dade e da dis­tri­buição dos sa­cri­fí­cios por todos?«, in­sistiu o líder do PCP, con­victo de que «também aqui o Go­verno está a faltar à ver­dade aos por­tu­gueses».

 

Con­versa fiada

 

Passos Co­elho, en­re­di­lhado em pa­la­vreado, na vã ten­ta­tiva de passar in­có­lume sem tocar no fundo da questão, tentou a todo o custo re­futar a acu­sação de que a «aus­te­ri­dade não é para todos», di­zendo que isso «não é ver­dade».

Prová-lo é que foi mais di­fícil, re­ve­lando-se mesmo im­pos­sível. Afirmou que «a lei fiscal é para todos» e que o Go­verno «agravou a taxa de IRC para as em­presas que apre­sentam lu­cros mais sig­ni­fi­ca­tivos», pelo que estas pa­garão mais im­postos em 2012. E acres­centou que os ren­di­mentos de ca­pital também «vão pagar um agra­va­mento de im­posto este ano», re­cu­sando por isso que te­nham «fi­cado de fora» do quadro de aus­te­ri­dade.

«Ó se­nhor pri­meiro-mi­nistro, isso nem se­quer é uma nar­ra­tiva. É con­versa fiada, no fundo um dis­curso para en­ganar», re­plicou Je­ró­nimo de Sousa, que acres­centou: «quer con­vencer os por­tu­gueses de que por exemplo a Banca paga hoje tanto como qual­quer pe­queno em­pre­sário em termos de IRC, sa­bendo-se que por exemplo ela foi buscar 30 mil mi­lhões de euros ao BCE para con­ti­nuar a fazer os seus ne­gó­cios? Quer con­vencer os por­tu­gueses de que uma pe­quena em­presa em si­tu­ação di­fícil tem a mesma ajuda e a fa­ci­li­dade que tem a Banca? Ó se­nhor pri­meiro-mi­nistro quer con­vencer os por­tu­gueses de que os grupos eco­nó­micos pagam aquilo que é justo, sa­bendo nós que por via dos be­ne­fí­cios e dos pri­vi­lé­gios con­se­guem de­pois re­cu­perar essa pe­quena par­cela que neste mo­mento está a ser co­brada?»

«Tente con­vencer quem não sabe mas fique sa­bendo que aquilo que o Go­verno está a fazer ao País tem con­sequên­cias dra­má­ticas», su­bli­nhou o Se­cre­tário-geral do PCP, que deixou uma nota final, numa alusão ao pacto de agressão: «tome os com­pro­missos que quiser mas o pri­meiro com­pro­misso de um go­verno da Re­pú­blica deve ser com o seu povo, in­cluindo com aqueles que não o ele­geram, mas as­su­mindo esses com­pro­missos em nome do País, dos por­tu­gueses e não em nome de uma in­ge­rência, de um pacto de agressão que vem do es­tran­geiro com a sub­missão de al­gumas forças po­lí­ticas aqui em Por­tugal».

«E não venha dizer que aquilo é uma bí­blia sa­grada. Não. Pri­meiro res­peite os in­te­resses do povo e do País», re­matou.



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