Freguesias são escolas de democracia
Lisboa será, uma vez mais, no sábado, a capital da indignação, com os portugueses de todos os pontos do País a manifestarem-se contra a proposta de reforma administrativa do Governo (PSD/CDS) que prevê a extinção de um terço das freguesias. O protesto, promovido pela Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), inicia-se às 14.30 horas, no Marquês de Pombal e termina no Rossio.
Os autarcas sentem-se ofendidos com o Governo
Paulo Quaresma, presidente da Junta de Freguesia de Carnide e vice-presidente da ANAFRE, e Nuno Cavaco, presidente da Junta de Freguesia da Baixa da Banheira e membro da Plataforma «Freguesias Sim!», que integra a Plataforma Nacional de Defesa das Freguesias, disseram mesmo ao Avante! que se corre o risco, pela positiva, de a manifestação de Lisboa «ser uma das maiores de sempre», uma vez que conta com a presença e apoio do movimento associativo e de todos aqueles que até aqui eram avessos a manifestações. «Este dia vai ser de todos aqueles que já perceberam que a sua representação democrática local está posta em causa», salientou Paulo Quaresma.
Em causa, explicaram, está a proposta de lei de reorganização administrativa, aprovada pelo Conselho de Ministros, que, ao contrário do que se procura fazer crer, pretende liquidar um terço das freguesias hoje existentes. Acobertada na ideia de um alegado recuo, traduzido na alteração dos critérios que constavam da versão inscrita no Documento Verde, o que a proposta agora aprovada visa é, não apenas a reafirmação dos objectivos que o Governo prossegue, mas, de facto, a consagração de um projecto ainda mais grave e perigoso. «O que sempre dissemos é que o que estava em causa quando surgiu o Documento Verde não eram os critérios mas o objectivo. Na altura, infelizmente, alguns autarcas, segundo os critérios que eram feitos a “régua e esquadro”, achavam que a sua freguesia não seria afectada. Com a nova proposta, que não foi discutida com a ANAFRE, os critérios mudaram, mas os objectivos mantêm-se: a redução do número de freguesias», afirmou Paulo Quaresma, criticando o facto de, agora, o Governo ter passado a «bola» para todas as autarquias, classificadas em três níveis, em que, por exemplo, as de nível um, as mais urbanas, têm de eliminar o número de freguesias em 55 por cento. «Deixou de ser a régua e esquadro e passou a ser a calculadora, através de percentagens. O município do Seixal, com 160 mil habitantes e seis freguesias, seria obrigado a ficar com apenas três», ilustrou.
Mais cortes nos serviços públicos
De igual forma, Nuno Cavaco lembrou que a proposta «não assenta em estudos, nem em pareceres, o que se pretende é arranjar um mapa que seja mais conveniente ao Governo». «Se juntarem duas freguesias, com dois centros de saúde e dois postos de correio, vão, provavelmente, acabar com um», informou o membro da Plataforma «Freguesias Sim!», movimento que surgiu da necessidade de alargar a luta em defesa das freguesias.
«Isto não é uma discussão séria», lamentou Paulo Quaresma, recordando que a ANAFRE começou a discutir esta questão há cerca de um ano, através de encontros distritais, em que participaram mais de 2400 autarcas. Em Dezembro realizou-se, em Portimão, o Congresso da ANAFRE, e, no dia 10 de Março, um Encontro Nacional de Freguesias. «Não conheço nenhuma posição de órgãos autárquicos que fosse a favor do Documento Verde ou desta proposta de lei, nem uma», frisou o presidente da Junta de Freguesia da Baixa da Banheira.
Nestas iniciativas, foram rejeitadas, por todos os eleitos, de todas as forças políticas, as pretensões do Executivo PSD/CDS. «Os autarcas sentem-se ofendidos, porque não se pode colocar a reorganização das freguesias dentro do mesmo bolo da dívida pública. É bom perceber que estas 4 259 freguesias representam 0,098 por cento do Orçamento do Estado (OE). Ou seja, em cada cem euros, o Estado gasta 98 cêntimos dos nossos impostos com as juntas de freguesia», referiu Paulo Quaresma, considerando ainda que a reorganização «vai trazer mais custos para o País». «O que algumas freguesias do País recebem do OE, durante um ano, é equivalente ao salário que alguns administradores públicos recebem por mês», enfatizou.
Sobre o «processo de chantagem» de direito a um bónus de 15 por cento de majoração para as freguesias «agregadas», recordou que «actual lei, de criação ou de fusão de freguesias, já prevê uma majoração de 10 por cento».
Governo impõe o seu mapa territorial
Com esta proposta de reforma administrativa todas as freguesias, e não apenas as que cabiam nos critérios do Documento Verde, passam agora a ser teoricamente elimináveis. A «competência» dada aos órgãos municipais – denominada de «pronúncia» no texto do diploma – é meramente teórica, dado que a decisão que viessem a tomar só seria levada em consideração se correspondesse aos objectivos de redução previamente decididos pelo Governo.
A «pronúncia», a efectuar nos 90 dias subsequentes à aprovação da lei pela Assembleia da República, será examinada por uma Unidade Técnica criada no Parlamento e poderá ser recusada caso não concretize os objectivos determinados. Nessas situações, será esta comissão técnica que estabelecerá a nova organização administrativa dando mais 15 dias às assembleias municipais para se pronunciarem de novo e, se o entenderem, apresentando um projecto «alternativo», desde que coincida naturalmente com os objectivos do Governo.
«Por exemplo, em Almada, com 11 freguesias, chega-se à conclusão de que até podem ficar apenas nove freguesias. A Unidade Técnica, que não conhece o território, impõe o seu mapa, e retira os 15 por cento da majoração às duas freguesias que seriam agregadas», explicou Paulo Quaresma.
Esta situação, a ser implementada, criticou Nuno Cavaco, presidente da Junta de Freguesia da Baixa da Banheira, vai acabar com a «identidade dos povos e com a coesão social, criando assimetrias e situações de conflito muito grande». «A reforma só será bem aceite se a população a entender. É um caminho feito ao contrário e uma falta de cultura democrática muito grande», lamentou.
Empobrecimento democrático
O Governo vai ainda reduzir mais de 20 mil eleitos nas juntas e assembleias de freguesia e atacar o emprego público. «A extinção de freguesias pode colocar em causa muitos dos oito mil postos de trabalho existentes, uma vez que os mapas de pessoal das freguesias extintas desaparecem, sendo depois criadas novas unidades, com novos mapas de pessoal», advertiu Paulo Quaresma. Face a esta situação, informou Nuno Cavaco, «os trabalhadores têm já agendadas novas formas de luta», nomeadamente «fazer greve à porta das juntas de freguesia para esclarecer a população».
Momento de afirmação e de luta
Entretanto, «mesmo que esta lei fosse aprovada pela maioria que sustenta o Governo na Assembleia da República», admite Paulo Quaresma, a mesma «não tem condições de ser implementada», até do ponto de vista da legitimidade democrática, «uma vez que não há nenhum presidente de Junta que tenha colocado no seu programa eleitoral a extinção da sua freguesia», e se o tivesse feito «não era certamente eleito». «Infelizmente, esta desinformação leva a que muitas das pessoas só se vão aperceber de que perderam a sua junta de freguesia em Outubro de 2013, quando, no boletim de voto, não virem a sua freguesia, mas uma união de freguesias. Nessa altura será tarde de mais para despertar para o problema», salienta o presidente da Junta de Freguesia de Carnide, destacando que a manifestação do próximo sábado, em Lisboa, é «um grito de alerta, um momento de afirmação positiva, mas também de luta».
PCP propõe um verdadeiro debate em Lisboa
Em Lisboa, o PS e o PSD chegaram a acordo para reduzirem o número de freguesias da cidade, de 53 para 24. A tal entendimento juntaram-se os vereadores Helena Roseta, Nunes da Silva e Sá Fernandes. Para o PCP este «acordo» não se limita à reorganização administrativa da cidade de Lisboa, uma vez que «vai mais longe» na atribuição de «novas competências às freguesias», contrárias aos «interesses das populações» e favoráveis às forças políticas que as conceberam».
«Este não é um processo irreversível como até agora tem sido afirmado. Esta é a altura de promover um verdadeiro debate sobre o tema, ouvindo as populações e tirando as respectivas conclusões», refere, em nota de imprensa, a Organização do PCP na Cidade de Lisboa, alertando para o facto de este «caminho» estar a ser preparado numa «operação relâmpago», impossibilitando a «verdadeira participação dos fregueses visados».
Esta «negociata», advertem ainda os comunistas, «não tem em conta os aspectos histórico-culturais e as relações de proximidade e vizinhança presentes, bem como não atende à evolução demográfica prevista no modelo de revisão do PDM». «A ideia de que existem freguesias que devem ser extintas ou integradas noutras, pela sua dimensão, é bem exemplo do atentado à democracia, assim como a diminuição da representatividade democrática, o que contribuirá para um maior afastamento dos fregueses e da resolução dos seus problemas», acrescentam.
O PCP considera ainda que «os problemas de Lisboa não se centram na reestruturação da divisão administrativa da cidade nas freguesias, mas sim nas políticas de direita prosseguidas no Governo e na Câmara, que têm reflexos na vida da cidade e na incapacidade de gestão municipal em resolver os problemas da população».
Ajuste de contas com o 25 de Abril
Legenda: Jerónimo de Sousa esteve no sábado na Freguesia da Moita para se inteirar das consequências que a extinção desta e de outras freguesias provocaria nos serviços públicos prestados à população. Acompanhado por João Miguel e por João Lobo, respectivamente presidentes da Junta de Freguesia e da Câmara da Moita, o Secretário-geral do PCP lembrou que o Governo está a travar uma forte ofensiva ao Poder Local democrático, que representa um ajuste de contas com o 25 de Abril, em clara violação da Constituição da República Portuguesa
Defender o Poder Local
A Plataforma «Freguesias Sim! Proximidade ao Serviço das Populações» reuniu, sexta-feira, com a Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto para abordar a proposta de lei 44/XII, da autoria do Governo, que prevê a extinção de mais de mil freguesias e, consequentemente, o encerramento de muitos serviços públicos, bem como o enfraquecimento do movimento associativo. «Também o movimento associativo poderá sofrer graves consequências com esta proposta do Governo, uma vez que são as freguesias e os municípios que apoiam as colectividades, não apenas financeiramente, mas moralmente», disse Nuno Cavaco, presidente da Junta de Freguesia da Baixa da Banheira e da Plataforma «Freguesias Sim!».
No domingo realizou-se uma Tribuna Pública em Alfama, Lisboa, em defesa do Poder Local. No mesmo dia, os moradores de Paialvo, Tomar, concentraram-se para contestar a agregação/anexação da sua Freguesia, que fica a 16 quilómetros da sede do concelho.
Entre as várias organizações e movimentos que apoiam e vão participar na manifestação de sábado está a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que, num documento endereçado aos agricultores alerta para o facto de que «nos últimos anos, têm vindo a ser encerrados vários serviços públicos de proximidade», como zonas agrárias, escolas, postos dos CTT, maternidades, serviços de saúde, linhas de caminho de ferro, transportes de doentes, entre outros. «A consumar-se este verdadeiro ataque ao Poder Local democrático e às freguesias em particular, isto também significa mais uma grande machadada nos direitos das populações, a começar pelas populações rurais», explica a CNA.