Orçamento da UE: Que futuro?
Como já aqui referimos, encontra-se neste momento em discussão o Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020 (QFP), ou seja, o pacote financeiro que irá determinar os orçamentos da União Europeia entre 2014 e 2020. A proposta de QFP feita pela Comissão Europeia, em meados de 2011 (previamente balizada pelos montantes e critérios gerais considerados «admissíveis» pelas principais potências), estará em debate, durante os próximos meses, no Parlamento Europeu e no Conselho.
Por esta discussão perpassam, naturalmente, visões e posicionamentos diversos, mesmo antagónicos, sobre o processo de integração. Na fase actual de desenvolvimento desta integração – em que se acentuam o seu carácter anti-democrático, a sua natureza capitalista, o seu conteúdo federalista e os seus traços militaristas – este é um debate da maior importância. O orçamento é, compreensivelmente, um instrumento relevante na prossecução deste (ou de qualquer outro) caminho.
Orçamento indigente, opções de classe
A proposta da Comissão Europeia, incluindo já alguns instrumentos ditos de «flexibilidade», como a reserva para ajudas de emergência, entre outros, aponta para um valor máximo de apenas 1,11 por cento do RNB da UE. Este valor é mesmo inferior ao do actual QFP 2007-2013, que se situa nos 1,12 por centro do RNB comunitário. Mas algumas potências, como o Reino Unido, defendem um tecto máximo ainda mais reduzido, que não ultrapasse, em nenhuma circunstância, 1,05 por cento do RNB.
Neste parco bolo global, os fundos estruturais não ocupam mais do que uma fina fatia de 0,37 por cento do RNB da UE. Com um cenário de crise profunda e duradoura em perspectiva, em que se agravam assimetrias e desigualdades, entre países e dentro de cada país, é este o montante que a UE prevê dedicar à tão propalada coesão económica, social e territorial. Por outras palavras, é esta a dimensão da «solidariedade» europeia...
As prioridades apontam antes para o «aprofundamento do mercado único», em variados domínios. Consideram os senhores da UE que o orçamento deverá estar, em boa medida, ao serviço desse aprofundamento e, bem assim, da chamada Estratégia 2020 – a estratégia de avanço do mercado sobre ainda mais áreas da vida económica e social, a estratégia da dependência económica da periferia e da regressão social.
Em síntese: por um lado, querem aprofundar o mercado único, trave-mestra da integração capitalista, caminho que comprovadamente conduz à divergência; por outro lado, reduzem à indigência o instrumento imprescindível para promover alguma convergência no seio da UE. O resultado só pode ser um: maior divergência.
Os chamados «recursos próprios»
O orçamento da UE resulta, na sua maior parte, duma contribuição directa dos estados-membros, que tem em conta o RNB de cada um, de forma a assegurar que os países mais ricos – os frequentemente (mal) chamados «contribuintes líquidos» (que são também os maiores beneficiários do mercado único) – contribuem mais para o bolo global.
Um tema que vem agitando a discussão sobre o próximo QFP prende-se com os chamados «recursos próprios». A Comissão propõe que o orçamento passe a depender crescentemente destes «recursos próprios» e menos das contribuições nacionais. A ideia entusiasma federalistas de quadrantes diversos, os habituais auto-denominados «europeístas».
Mas a verdade é que, cortando-se nas contribuições nacionais directas, poupa-se sobretudo os países mais ricos. O orçamento continuará a ser pequeno (já que os «recursos próprios» passarão a ser deduzidos às contribuições nacionais), e poderá ser posto em causa o princípio da contribuição proporcional de cada Estado-Membro, de acordo com o seu RNB, essencial para garantir a natureza redistributiva do orçamento. Refira-se também que os «recursos próprios» da UE resultarão de taxas e/ou impostos que constituem hoje, ou que sempre poderiam constituir no futuro, «recursos próprios» dos estados-membros.
Os países mais ricos poderão ainda ser beneficiados com a introdução, na política de coesão, do conceito de «regiões em transição». Como o orçamento global para a coesão não será aumentado, poder-se-á assistir ao desvio de verbas das «regiões da coesão», com peso preponderante nos países mais pobres, para as «regiões em transição», incluindo dos países ricos.
O QFP 2014-2020 será aprovado pelo Conselho, sendo exigida a unanimidade dos 27 governos da UE. Importa por isso, desde já, conhecer a posição do Governo português e saber como (ou se) tenciona defender os interesses nacionais nesta negociação.