Contrabando

Ângelo Alves

O passado fim-de-semana foi profícuo em declarações que, face ao aprofundamento da crise do capitalismo, demonstram muito do terrorismo ideológico e do contrabando de propaganda e desinformação que por aí anda. Referir-nos-emos apenas a duas delas.

A primeira roça a anedota. Christine Lagarde foi a Pequim dizer que a economia mundial «já não está à beira do precipício». Se gostássemos de humor negro diríamos que a Directora Geral do FMI tinha, em parte, razão. Isto porque se olharmos para a recessão no Japão, para as revisões profundamente em baixa das taxas de crescimento nos EUA e na UE e mesmo na China, poderemos dizer que a economia mundial já não está à beira do precipício… deu um passo em frente. Mas como a situação é séria e mexe com a vida de milhões de seres humanos, ficamo-nos pela constatação de que tais declarações tentam esconder que estamos em pleno aprofundamento da crise.

A segunda é mais «caseira» e situa-se no universo do disparate. Álvaro Santos Pereira foi a Coimbra a um encontro de estudantes de economia dizer que não pode haver crescimento económico com dívidas demasiado elevadas e que é por isso que a austeridade é tão importante. A novidade é que o ministro resolveu sustentar essa afirmação com uma leitura da «história» da economia portuguesa desde 2000, afirmando que desde essa altura Portugal não cresce economicamente e que esse é o problema.

E tem razão! Também poderia ter afirmado que foi desde essa altura que o desemprego disparou de 7% (em 2002) para os 20% de hoje e que nesse período a dívida pública mais do que duplicou (de 54% para 116% do PIB) e o défice da balança de transacções deteriorou-se em 10%. Esqueceu-se foi de dizer porquê… é que esse período coincide com a entrada do euro na nossa economia. O mesmo euro que determinou o Pacto de Estabilidade, os PEC de Sócrates e o pacto de agressão a que agora estamos sujeitos. Então, das três uma, ou Álvaro Santos Pereira mudou, e vai propor já a dissolução da União Económica e Monetária e a rejeição do pacto de agressão, ou foi a Coimbra dizer disparates e baralhar a cabeça dos futuros economistas, ou então está feito um contrabandista político. Apostamos mais na última.



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