Noite de sábios
Na passada segunda-feira não houve «Prós e Contras». Por uma boa razão: a RTP1 estaria ocupada, a partir das 21 horas e 40, com a transmissão de uma Gala em que seria homenageado o dr. Mário Soares, e é claro que esse acontecimento teria de ter precedência sobre quaisquer outros. Contudo, decerto porque a RTP não quis faltar à missão civilizadora a que costuma entregar-se no primeiro dia útil de cada semana, ainda arranjou uma frestazinha de uns quarenta minutos para nela encaixar um programinha intitulado «Zona Euro», aplicado a discorrer sobre como vai isso do euro na Europa que em tempos esteve connosco, como o mesmo dr. Soares repetidamente assegurou durante vários anos, e agora já não está, e completou essa boa acção com uma entrevista com Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia, transmitida na RTP Informação, onde foi abordado o mesmo tema e mais alguma coisa. No «Zona Euro», a jornalista Márcia Rodrigues ouviu uma quase multidão de economistas e políticos, o que resultou num elevado ratio de especialistas por minuto de antena. Na entrevista, Krugman foi o único expert, e é claro que bastaria, mas em compensação os entrevistadores foram dois. Ao que pareceu, o maior interesse em ouvir o galardoado com o Nobel decorria da circunstância de ele ter a fama, decerto justificada pelo menos em certa medida, de ser um opositor às políticas de austeridade em tempos de crise. Se as declarações de Paul Krugman viessem confirmar inteiramente essa sua reputação poderiam resultar em música celestial para os ouvidos dos milhões de desgraçados que andam a pagar a crise pelo preço da sua redução à miséria. Infelizmente, porém, não foi exactamente isso que aconteceu, até porque o homem nem é louco nem é parvo, e as suas respostas situaram-se sempre num território de dúvidas e reticências. O que nele foi nítido, isso sim, foi a sua reprovação quanto à entrada de Portugal na chamada zona euro, recordando ele que o País não tinha então, como aliás continua a não ter, estruturas produtivas mínimas para competir em situação de igualdade com países muitíssimo mais apetrechados nessas matérias. O que não foi lembrado foi que essa circunstância fundamental, que obviamente desaconselhava a adesão portuguesa ao euro, foi na altura própria reiteradamente afirmada pelo PCP em intervenções cuja lucidez surge agora como demonstrada sem que, contudo, alguém se dê ao honrado trabalho de recordá-las.
Um misterioso «milagre»
É certo que um dos especialistas ouvidos por Márcia Rodrigues no «Zona Euro» foi Octávio Teixeira, economista e militante do PCP. Octávio Teixeira preconizou uma vez mais a saída do nosso País da zona do euro mediante um processo de negociação que torne possível esse movimento sem que ele implique as mais ruinosas consequências, já que o erro da adesão inicial é evidentemente um facto irreversível. Porém, para mais rigorosa informação aos cidadãos telespectadores, conviria ter ficado claro que essa não é uma opinião isolada e aparentemente um pouco extravagante de um economista que é militante do PCP, mas sim que a oposição à entrada no euro, por falta de condições concretas para um passo que na verdade só iria ser dado por motivações políticas (o euro e a UE seriam um seguro de vida para o tipo de democracia em que vivemos e contra o risco de opções de verdadeira esquerda), foi na altura certa a posição de todo o PCP. Quanto ao resto, nem o «Zona Euro» nem a entrevista a Paul Krugman saciaram a minha curiosidade ou a minha ignorância quanto a pontos que talvez sejam fundamentais para o bom entendimento das coisas. Saliento um, que o espaço disponível não dará para muito mais: por que milagrosas vias a Alemanha, não apenas derrotada mas também fisicamente arrasada em 1945, tão rapidamente se alcandorou à posição de mais poderosa potência económica e financeira da Europa, lugar que ocupa há já várias décadas e em que se viu reforçada pela anexação da ex-RDA e pela extensão da sua hegemonia política para Leste. E, talvez cronicamente suspeitoso, penso em injecções de capitais vindos do outro lado do Atlântico, tal como já aconteceu quando entre as duas Guerras Mundiais o apoio à Alemanha vencida foi até um efectivo protectorado ao nazismo.