Uma olhadela sobre o Passado… (9)
«Os governos dos dias de hoje (1876) têm que lidar não apenas com outros governos, imperadores, reis e ministros, mas também com as sociedades secretas que dispõem por toda a parte dos seus agentes sem escrúpulos e podem, no último instante, derrubar todos os programas políticos» (Disraelli, primeiro-ministro do Império Britânico).
«Críticas e teorias da conspiração convergiram (depois do século XIX) na personalidade de Adam Weishaupt um professor de Direito educado numa escola da Companhia, mais tarde fundador da Ordem dos Iluminatti da Baviera» (Wikipedia, «lluminati e Companhia de Jesus»).
«A globalização é o cenário do desenvolvimento desigual. É problemática e contraditória, dissolve espaços e tempos e impõe ao indivíduo padrões e valores desconhecidos» (Valmir Mira Almeida, «Globalização e participação política»).
Antes de nos libertarmos de todo este enredo de sociedades secretas e do papel condutor dos ilustratti, convém fixarmos que um traço comum atravessa toda a história, numa perpétua aliança entre a magia e a ocultação dos interesses reais. Os estados de indefinição são o melhor caldo de cultura das agências secretas.
Neste sentido vemos que a vida comunitária primitiva se foi transformando. A metáfora e o mito deram lugar às grandes religiões organizadas; e o Estado político surgiu quando o trabalho colectivo se começou a especializar e a vida em comum criou exigências mais complexas. O Estado foi então uma forma de pôr ordem no caos.
Mas as coisas não ficaram por aqui. O grupo humano que gerou cada nação habitava um dado território, tinha comportamentos diferentes e repartia a propriedade e a riqueza de maneira desigual. Assim, os mais ricos dominavam sempre os mais pobres; e o povo dividia-se e subdividia-se em grupos sociais ou classes que frequentemente se opunham entre si.
Ao surgirem os primeiros estados políticos, essa divisão social sobreviveu. Ao Estado, dominado pelos mais ricos, competia defender os interesses da classe dominante e controlar pela força as outras classes. Por outro lado, as religiões organizaram-se em igrejas canónicas que eram outras tantas expressões do poder.
Um poder misto, com um dos pés no religioso e o outro no político.
Esta noção de direito civil atravessou os tempos e determinou a «regra de oiro» que ainda hoje se verifica nas relações entre igrejas dominantes e grupos políticos no poder. Tudo é consentido desde que uma aliança no tempo se encontre garantida. Fácil é pois entender que as religiões ocultem os crimes dos poderosos e o poder se fixe nas mãos dos mais ricos.
Ao longo de um extenso percurso ficaram no entanto franjas soltas dos mais sacrificados. Houve cidadãos que se uniram em grupos clandestinos. Minorias que enfrentaram o Estado opressor e a Igreja única. Clandestinos e perseguidos, escondiam-se atrás de siglas, mantinham comunicações cifradas e inventavam geometrias de sinais simbólicos e herméticos. Muitas vinham do povo e expressavam inconformismo político e religioso ou chamavam a si as questões da solidariedade entre o proletariado de então.
Numa fase tão recuada, ainda estava bem longe de se falar em luta de classes. Certo é, no entanto, que tal realidade estava já contida na razão de ser das primeiras sociedades secretas. A luta de classes despontou logo que surgiu o primeiro Estado baseado na riqueza de um grupo social.
Cedo os grandes senhores laicos e religiosos compreenderam que o secretismo desses grupos poderia ser facilmente usado em benefício da opressão. Bastaria mudar-lhe o sinal. E assim aconteceu com formações temíveis, simultaneamente ligadas à Coroa e à Igreja mas com fachadas neutras e uma incessante actividade conspirativa. Hoje, difícil é sem dúvida circular-se num tal labirinto. Mas é fundamental que se tente entender esse cenário maquiavélico. As sociedades secretas são modernamente as chaves do poder político, financeiro e confessional. Poder pagão e poder laico; Igreja e Estado; fé e interesses – tudo isto é confusão e se emaranha na actual fase do sistema neoliberal capitalista.
Ocultas na sombra há forças que abrem e fecham as portas do dinheiro, dos governos, das opiniões e dos mitos. Vivemos em democracias de classe.
A intenção inicial era falarmos aqui noutros aspectos da actualidade. Pareceu-nos, porém, que este esclarecimento prévio seria necessário.