Provação, luta e mudança

Luís Carapinha

A ofensiva frontal contra o mundo do trabalho atinge níveis inauditos, abocanhando conquistas históricas

Já corre 2012, desafortunadamente prometido como o ano de todas as provações. Não se pense porém que a ameaça de tempestade perfeita que assoma no horizonte devenha da desfavorável metafísica dos astros, ostente o halo providencial da infalibilidade do destino, nem mesmo se deva ao insano exercício conjugado das vontades humanas. Não, as origens do contexto agravadamente adverso que sobre nós pesa, sendo bem terrenas, inscrevem-se na materialidade do ser social. Remetendo para a dinâmica e o momento da crise geral do modo dominante de (re)produção capitalista e colocando a necessidade de prosseguir a identificação das suas coordenadas concretas e a configuração das contradições prementes; de estabelecer o rumo do seu movimento e analisar a graduação e sentido dos processos distintos e diferenciados que labutam desde o seu interior. Necessidade que, tanto mais, se apresenta como exigência fundamental da própria acção revolucionária de resistência, acumulação de forças e mudança. Da luta organizada a partir de circunstâncias dadas, visando alterar a correlação de forças e assegurar o avanço transformador.

 

Desde as alturas a pino da finança mundial, a angustiosa constatação dos perigos que envolvem a «economia mundial» tornou-se acto corriqueiro (veja-se recentes declarações da directora do FMI). Se há um ano a trupe encartada de ideólogos e moduladores do sistema alinhava o compasso, trombeteando aos quatro ventos os sinais inglórios de pretensa recuperação, agora é afinal reconhecida a iminência de uma queda mais cavada do que em 2008. Nos últimos meses esboroou-se o manto sagrado envolvendo a chamada «construção europeia» da UE e dentro desta o processo da moeda única, o euro, que passou a ser visto como malfadado e até ferido de pecado original. Com a zona euro convertida no foco infeccioso que ameaça os vértices da Tríade e o tecido económico mundial, a dramatização teatral da crise pelos seus principais actores surge como água benta borrifada sobre os sucessivos e mais cruéis pacotes anti-sociais. No mesmo passo que a ofensiva frontal contra o mundo do trabalho atinge níveis inauditos, abocanhando conquistas históricas

No jogo do empurra e da vilanagem de Estado do capitalismo mundial, os EUA – principal fautor dos desequilíbrios económicos que repercutem no mundo – perseguem a obsessão de escapar entre os pingos da chuva e, sobretudo, reverter o declínio hegemónico pela via da corrida armamentista e ameaça militar global.

 

Não se pode esquecer, contudo, que a crise capitalista não afecta o mundo de modo uniforme. Cresce a evidência do aumento do peso dos BRICS e do conjunto das potências emergentes na economia global. A trajectória de rearrumação de forças em curso no plano internacional em que desponta o papel da China representa, sem desdenhar da sua dialéctica e contradições, um elemento histórico de fundo no âmbito do desenvolvimento da crise no centro da arquitectura capitalista mundial. Apesar da escalada e sofisticação da ofensiva imperialista, os contornos de um mundo em transição que desafia a ordem dominante não deixaram de perpassar 2011. Bastará olhar para o outro lado do Atlântico e fixar o acontecimento maior que constituiu a cimeira fundadora da Comunidade de Estados Latino-Americanos e das Caraíbas, realizada há um mês em Caracas. Corolário de décadas de resistência revolucionária, plasmadas no exemplo de Cuba, e dos mais de 10 anos da vaga de mudança progressista que, em contra-ciclo, atravessa a América Latina, o seu exemplo ilumina os desafios e o carácter contraditório da época. Através dos quais a imperativa justeza da luta continuará a trilhar o seu caminho libertador.



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