Faltava este

Filipe Diniz

No coro das personalidades que continuam a apelar à resignação faltava a voz de D. Duarte Pio. A lacuna foi preenchida, embora indirectamente, através de uma entrevista ao reaccionário «ABC» espanhol.

Como homem que se identifica com o «sentir do povo», informou que «não desperdiça dinheiro», embora o tenha; que não está sempre a mudar de carro, e que «um dos que tem» já tem 15 anos; e, principalmente «que podemos viver com menos, e não necessariamente pior». Tivesse ele feito esta afirmação num local público em vez de numa página de jornal, e era capaz de ter tido outro contacto com o «sentir do povo».

Poderá perguntar-se porque se está aqui a perder tempo com semelhante personagem. Não é tanto pelas habituais asneiras que profere. É por o «ABC» o ter entrevistado numa altura em que os Bourbons espanhóis estão metidos numa grossa alhada.

Bem pode ele invocar a sua imaginária situação «acima dos conflitos da sociedade». A monarquia espanhola, esse anacrónico legado do franquismo, aparece nesta altura algo envolvida, se não nos conflitos da sociedade, pelo menos na sua vertente mais corrupta. O genro do rei é acusado pelo fisco de fraude, de fuga aos impostos, de apropriação indevida de dinheiros públicos. Ao que parece, criou uma Ong (o Instituto Nóos) e uma rede de empresas-fantasma em seu torno para defraudar o fisco e fazer perder o rasto aos dinheiros de que se ia apropriando, nomeadamente através da falsificação de facturas. Em quatro anos o genro e a filha do rei adquiriram bens imobiliários no valor de 7,3 milhões de euros. E em tudo isto estiveram intimamente associados com dois altos responsáveis do PP, hoje igualmente sob acusação de corrupção.

Resulta isto da monarquia? Não, resulta do capitalismo, ostentando a sua forma de actuar intrinsecamente criminosa e corrupta. E não é insignificante o contributo que regimes monárquicos dão ao poder do capital, numa situação histórica em que o conflito entre capitalismo e democracia, mesmo a democracia burguesa, se agudiza. Por um lado pela espectacularização do simulacro de poder (cor-de-rosa) que representam. Por outro lado por serem mais uma voz, ridícula embora como D. Duarte, a fazer coro com a ideologia da classe dominante.



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