Comentário

Da natureza do Estado e do estado das coisas

João Ferreira

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1. Esta semana, quando o Avante! chegar às ruas, muitos milhares de trabalhadores portugueses terão vencido a resignação e o medo e terão aderido à greve geral. Serão muitos milhares os trabalhadores que terão dobrado a chantagem que sobre eles se abateu nas últimas semanas. Muitos milhares de trabalhadores que terão sacrificado parte dos seus rendimentos (um dia de salário, ao que se poderá somar tentativas ilegais de lhes retirar prémios de produtividade, de assiduidade, etc.), mas que o terão feito compreendendo o sentido e o alcance desse sacrifício: a recusa do roubo como política de Estado; a recusa da violência social extrema exercida sobre um povo; a recusa do empobrecimento colectivo e do declínio e afundamento do País, que lhes nega, a prazo, qualquer futuro digno. Terão sido muitos mil, mas seguramente ainda poucos, os trabalhadores que perceberam, nas palavras de Lénine, a «cínica mentira da burguesia», propagandeada à exaustão em televisões e jornais: a que procura «assimilar o interesse dos ladrões ao interesse do povo e da pátria».(1)

 

2. Disse assim, sem mais nem menos, com a imperial arrogância do colono, o germânico Jurgen Kroger, representante da Comissão Europeia na troika, quando questionado sobre que resultados teria o pacto de agressão FMI-UE em 2013: «Não garanto que os portugueses ficarão a viver melhor» (Diário de Notícias, 17/11/2011). Sobre a possibilidade do Tribunal Constitucional considerar inconstitucionais os roubos dos subsídios de férias e de Natal, atira: «Consideramos que os cortes estão de acordo com a Constituição». Questionado ainda sobre a possibilidade do roubo perdurar para além de 2013, regurgita: «Sabemos que a massa salarial da função pública é muito alta, devido aos salários e ao número de funcionários (…). Dentro de dois anos, não sei o que acontecerá».

Servil perante o seu senhor, como convém ao feitor, o personagem que ocupa o cargo de secretário de Estado da Administração Pública logo acena com a possibilidade de despedimentos na Função Pública: «O Governo não pode abdicar de quaisquer instrumentos que tenha à sua disposição», diz.

Outro dos cães de fila, de apelido Gaspar, confirmou para 2012 um outro roubo: a privatização total da EDP, da REN, da GALP, da TAP, da ANA, da CP Carga e dos CTT (Jornal de Negócios, 17/11/2011).

 

3. Na sua luta, os trabalhadores e o povo português não estão sozinhos. São muitos os trabalhadores e os povos que, por essa Europa fora (e não só), se recusam submeter-se aos ditames do capital financeiro. E que, pouco a pouco, vão percebendo que essa submissão há muito se deu já, no caso dos seus governos; sejam governos da direita, sejam da social-democracia ou juntando ambas – como é agora preconizado pela teoria dos consensos, da união nacional, em prol de objectivos, ditos inevitáveis, de retrocesso civilizacional. Vão percebendo, pouco a pouco, a natureza do Estado como órgão de dominação e de opressão de classe. Vão percebendo, pouco a pouco, que aqueles que dizem abominar o Estado dele necessitam como nunca, para garantir a «ordem» necessária à defesa dos seus interesses e dos seus lucros. Vão percebendo, naturalmente ainda com atrasos, na maioria dos casos significativos, que importa superar, que a União Europeia tem em tudo isto um papel central. Porque os monopólios europeus, que colonizaram e colonizam mercados do centro às periferias, a vêem, cada vez mais, como o superestado de que necessitam, nas actuais condições e contexto histórico, para melhor defenderem esses seus interesses e lucros, para melhor afirmarem a sua pulsão imperial.

 

4. Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, no Parlamento Europeu, sobre os países ditos incumpridores: «Devemos dispor de novas sanções (…) como a suspensão do direito de voto, ou a suspensão dos fundos estruturais e outros pagamentos ou conceder poder a uma autoridade central para intervir na gestão dos orçamentos nacionais».

Guido Westerwelle, ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, em artigo de opinião: «Precisamos de uma Constituição europeia, com os pré-requisitos institucionais para uma integração progressiva, na esfera política, económica e financeira». Um dia depois de, em Berlim, o partido de Merkel ter defendido a eleição directa do próximo presidente da Comissão Europeia, «a partir de um ciclo eleitoral de quase 500 milhões de cidadãos europeus».

Em dois dias apenas, mais três sinais a merecerem cuidada ponderação e análise, pelo muito que dizem sobre o que aí está e o que aí vem...

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V. I. Lénine, «Os sofismas dos sociais-chauvinistas» in Jean Salem, Lénine e a Revolução.



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