O regresso dos mineiros

Correia da Fonseca

Álvaro dos Santos Pereira, o ministro directamente importado do Canadá e especialmente polivalente que nas suas sábias mãos reúne um número recorde de pastas, surgiu-nos um destes dias na televisão a anunciar a reactivação da actividade mineira no nosso País. É, como se sabe, um sector de que ao longo de várias décadas pouco ou nada temos ouvido falar, excepto em tempos recentes, episodicamente, quando os mineiros de Aljustrel entraram em colisão com a entidade patronal por reivindicarem essa coisa aparentemente simples e óbvia que seria que as minas passassem da situação de quase total hibernação para uma fase de produção efectiva, possível e até necessária no plano do interesse nacional. A julgar pelo que ao ministro se ouviu, porém, a actividade mineira vai entrar num tempo de ressurreição. É sabido que o solo português é relativamente rico em minérios, no nosso imaginário colectivo ainda sobrevive a memória do período eufórico do volframismo acontecido durante a Segunda Guerra Mundial, e supõe-se que de então para cá a actividade decaiu drasticamente por desinteresse dos mercados internacionais que poderiam estar interessados na compra do minério extraído. Ao que parece e segundo o que nos disse o senhor ministro, os mercados compradores já estarão interessados e, por consequência, volta a haver empresas resolvidas a investir na extracção. De preferência empresas estrangeiras, disse o ministro, justificando a preferência pela entrada de capitais que essa situação originaria. Poderia ter dito também que a eventual alternativa constituída por investimentos nacionais está inviabilizada por duas razões: o fastio que o capitalismo luso tem por actividades produtivas, ele, habituado a ganhar bom dinheiro com as grandes empresas de distribuição quando não com actividades especulativas nas bolsas, e a proibição de investir, mesmo a título supletivo e em sectores de interesse nacional, que as sagradas regras do capitalismo neoliberal impõem aos estados em geral e ao Estado português em particular.

 

Um escritor para lembrar

 

Mais disse o senhor ministro: que a esperada reactivação mineira criará umas centenas de novos postos de trabalho, «talvez milhares» na optimista perspectiva ministerial, o que terá um grande significado no quadro nacional, é claro, e talvez reforce a presença em algumas mesas do pão-nosso de cada dia que por todo País vai faltando. É, porém, a altura de sublinhar que, por muito que seja desejável o aparecimento de zonas de trabalho, é imperativo que não se trate de trabalho escravo no todo ou em parte, dissimulado ou evidente. E, quanto a este aspecto, isto é, quanto à longa e penosíssima estória triste que é a vida dos mineiros em Portugal, calha lembrar que em 2012, ano que já aí está a bater-nos à porta, ocorre o centenário de um escritor não só injustamente mas talvez também estrategicamente esquecido, Manuel do Nascimento. Romancista e contista, Manuel do Nascimento cometeu a dupla inconveniência de se situar no seio do Neo-Realismo, o que implicou o silêncio desdenhoso de alguns dos que sustentam que a Literatura não há-de servir para narrar a vida tal como ela é, e de se aplicar sobretudo a fixar nos seus livros a tragédia esquecida dos mineiros, que muito proximamente conhecia por razões profissionais. Quando do seu falecimento, Manuel de Azevedo, então chefe de redacção do Diário de Lisboa, escreveu na Seara Nova de Janeiro de 67: «(…) Morreu num comboio aquele modesto trabalhador da pena em que Manuel do Nascimento se tornara depois da última doença. Morreu como um anónimo no meio de uma multidão anónima. Mas do Manuel do Nascimento fica-nos a sua obra de romancista, a grandeza do seu exemplo é a pureza dos seus sentimentos de homem torturado e infeliz, sensível e fraterno como poucos.» Agora, que com fundamento ou sem ele vem um ministro recordar implicitamente que os mineiros portugueses existem e vão talvez crescer em número, é o tempo certo para recordar o escritor que dos mineiros foi o comovido cronista e cujo centenário vai acontecer. Para que não sejamos cúmplices do anonimato em que morreu e do esquecimento que tem vindo a feri-lo.



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