Um roubo assente na mentira
«Um roubo a quem trabalha, aos reformados, aos pequenos empresários, ao Estado, ao País», assim é o Orçamento do Estado para 2012, ele próprio «uma peça» desse outro «roubo de proporções gigantescas» de que Portugal está a ser vítima.
Este é o OE da falência económica do País
Quem não hesita em o afirmar é o PCP que enquadra o documento sobre as contas do Estado para o próximo ano no «terramoto económico e social» em curso sob o comando do «grande capital nacional e estrangeiro e executado pela troika, pelos partidos que assinaram o fatídico memorando e pelo Governo» que agora o aplica «com zelo de carrasco dos trabalhadores e do povo».
Foi assim que o líder parlamentar do PCP caracterizou no dia 19, em declaração política, a presente situação nacional e o próximo Orçamento do Estado, cujo conteúdo fora conhecido na antevéspera depois da sua entrega pelo ministro das Finanças no Parlamento.
Para Bernardino Soares, com este OE, está em causa o esbulho de salários e direitos aos trabalhadores «para os entregar direitinhos à banca e aos grandes grupos económicos», tal como está em causa a destruição da administração pública e dos seus serviço visando a «transferência desses recursos para o sector privado».
«É para os grandes grupos económicos e em particular para o sector financeiro que vão os milhares de milhões arrancados ao povo português», denunciou, em síntese, mostrando de seguida como este roubo continuado assenta na «mentira e na demagogia».
Com efeito, em sua opinião, não é de esperar qualquer efeito positivo da «brutal imposição de sacrifícios» como, bem pelo contrário, todo este processo só «contribuirá para acelerar o passo na aproximação à situação que vive a Grécia».
Destruição em massa
E por isso o presidente da bancada comunista considerou que o primeiro-ministro «mentiu antes, quando prometeu não retirar aos trabalhadores os subsídios de férias e de Natal, e está a mentir outra vez quando anuncia que estas medidas se destinam a resolver os problemas do País».
Indo mais longe na crítica ao conteúdo do OE, não teve dúvidas em afirmar que ele «será a causa da falência económica do País», porquanto, explicou, «destrói brutalmente a procura interna» (com o corte dos rendimentos dos trabalhadores), ao mesmo tempo que «ataca a capacidade produtiva» (com o corte do investimento e a complacência com a agiotagem da banca e a gula das grandes empresas – como a EDP e a GALP – em relação à actividade económica). Motivos, pois, para que este seja visto pelo PCP como o «orçamento de destruição em massa da economia nacional».
Vidas destruídas
Sobre a terrível carga que se abate sobre as classes e camadas laboriosas, e desmontando a campanha suja que tenta virar trabalhadores contra trabalhadores, Bernardino Soares esclareceu que as medidas atingem não apenas o sector público mas também o sector privado.
Exemplificou, a propósito, com o facto de o Governo querer entregar ao patronato horas grátis de trabalho (16 dias por ano, que significam mais de 7000 milhões de euros anuais transferidos para o capital), além da redução do valor das horas extra para metade.
Não poupados por esta política são, por outro lado, os reformados, agora tratados «como se estivessem a dever à sociedade e não como pessoas que contribuíram com o seu trabalho para o progresso do País». Acresce o corte das prestações sociais e a destruição de serviços públicos, o que, tudo visto e ponderado, levou o presidente da formação comunista a concluir que estamos em presença de uma acção que está a «destruir vidas de famílias inteiras, de novos e de velhos», criando «situações dramáticas como nunca se viu no Portugal de Abril».
Razões, todas, para elevar o protesto, a indignação, a luta. Porque, como sublinhou Bernardino Soares, é o único caminho para defender os direitos, a dignidade, o País e o futuro.
Trabalhar para a agiotagem
Há números que, por si só, testemunham de modo iniludível a dimensão do desastre a que a política de direita tem conduzido o País. Desde o início de 2010, enquanto as prestações sociais descem 2200 milhões de euros (2,2 por cento do PIB), enquanto os salários descem na administração pública 3000 milhões de euros (2,2 % do PIB), os juros da dívida aumentam de 3% para 5,2% do PIB, isto é, mais de 3600 milhões de euros, a acrescer aos já mais de 2000 milhões enterrados no BPN e aos 450 milhões de euros pagos ao BPP.
Traduzindo por outras palavras, como salientou Bernardino Soares, «é o País a trabalhar» para entregar a riqueza «ao capital financeiro, à especulação, à criminalidade bancária, à agiotagem organizada».
Renegociar para evitar o pior
A renegociação da dívida continua a ser, para o PCP, a única via susceptível de aliviar o garrote a que o País está submetido, protegendo a economia e abrindo caminho ao desenvolvimento.
Essa voltou a ser uma ideia defendida pelo presidente do Grupo Parlamentar do PCP que, a este respeito, lembrou o facto de a Grécia ter visto os montantes da sua dívida já perdoados em 20 por cento, enquanto o ministro das Finanças alemão já fala em 50 por cento.
O que só acontece, porém, «depois de terem sugado toda a riqueza daqueles país e destruído todas as suas estruturas económicas e sociais», observou Bernardino Soares, sublinhando que «é isso que não queremos que progrida em Portugal, mas que está a acontecer a grande velocidade».
Silêncio «ensurdecedor»
Não deixou de ser um facto politicamente relevante o completo silêncio das bancadas da maioria PSD/CDS perante as críticas e acusações proferidas momentos antes pelo líder parlamentar do PCP na sua declaração política. O que não é propriamente um sintoma de força mas de fraqueza. Bernardino Soares não deixou de o anotar e tirar a respectiva ilação, socorrendo-se, a propósito, de uma das palavras de ordem gritadas na véspera na marcha da indignação realizada pelo PCP no coração de Lisboa: «Quanto mais calados, mais roubados».
Parafraseando-a, numa adaptação ao quadro parlamentar, considerou que «quanto mais calada está a direita, mais derrotada estará nos seus princípios», dando mostras de que «já não tem força para defender aquilo que são as suas políticas e as políticas do seu Governo».
Não menos sintomática foi a postura da bancada do PS que pela voz do deputado Pedro Marques – voltando a tocar na tecla de que foram os votos da esquerda parlamentar que abriram o caminho à direita – mostrou não ter evoluído na compreensão das causas que motivaram o castigo infligido pelo eleitorado ao seu partido.
«Parecia que estava na legislatura anterior», ironizou Bernardino Soares, dirigindo-se ao deputado do PS, a quem lembrou que o PCP chumbou não apenas o PEC IV, mas também o PEC III, o PEC II e o PEC I, e que, ao invés, quem aprovou todos os PEC e orçamentos do Estado foram aqueles senhores», apontando o dedo às bancada do PSD e do CDS.
E para que a história fique completa, recordou ainda que chegou uma altura em que aqueles partidos «resolveram aproveitar-se do descrédito do Governo PS».
Ora «é sobre isso que vocês têm de reflectir», aconselhou, recordando ainda que ninguém derrubou o primeiro-ministro, antes pelo contrário, foi este que se demitiu e que a seguir chamou a troika».
Bernardino Soares, sagaz, não deixou passar em claro o facto de ter sido o deputado do PS a assumir a defesa da política da troika, enquanto as bancadas mais à direita mantiveram um prudente mutismo. «Fizeram-lhe o favor de deixar para si a defesa da política da troika, porque eles não se atreveram a fazê-lo neste debate», sublinhou, deixando uma nota final ao deputado do PS: «é preciso ser muito insensível à realidade da vida das pessoas para não ter dito uma palavra sobre o roubo das horas extraordinárias, o roubo aos trabalhadores, o despedimento fácil, sobre tudo o que está no OE».