Reflexões breves
1. A luta social que irrompe por essa Europa fora desenvolve-se a par de uma intensa e persistente luta ideológica. Ambas são expressão (nem sempre evidente) dos antagonismos de classe que percorrem a sociedade capitalista.
2. Neste confronto, a União Europeia não é mero cenário ou pano de fundo sobre o qual se desenrola a luta. Ela é parte do confronto. Melhor dizendo, é um instrumento ao serviço de um dos lados em confronto: o capital financeiro transnacional, apátrida (os chamados «mercados»), e o grande capital nacional nos vários estados-membros, também apátrida mas contando com os governos e a burocracia política nacionais (e europeia) como defensores e gestores dos seus negócios. Contra os trabalhadores, os seus direitos e o seu nível de vida.
Porque um processo de integração nunca é neutro. E este é um processo de integração capitalista.
3. Esta caracterização, simples (ou mesmo simplista), não ignora a complexidade do processo de integração, as suas múltiplas dimensões e contradições. Mas assinala, acima de tudo, as suas características matriciais, a sua orientação e os seus objectivos nucleares. Que, no essencial (sacuda-se a propaganda e a demagogia), persistem desde o fundador tratado de Roma até ao actual tratado de Lisboa: assegurar as condições para o desenvolvimento do capitalismo na Europa (chamem-lhe economia de mercado ou o que quiserem), forçar a acumulação capitalista, contendo ou esmagando (consoante o permita a correlação de forças em cada momento) as conquistas do movimento operário, na Europa e em cada um dos seus países.
4. Às grandiloquentes e altissonantes proclamações, de agora e de sempre, sobrepõe-se a letra e o espírito dos tratados, a acção das instituições, as políticas concretas postas em marcha. São estes os alicerces sobre os quais assenta a UE. Por esta razão, dizemos que a crise do capitalismo, na UE, é a crise da própria UE. Por esta razão, dizemos que esta UE não é reformável. E que será sobre as suas ruínas que se concretizará essoutro objectivo pelo qual lutamos: a Europa dos trabalhadores e dos povos.
5. Diz assim o Programa do PCP: «A internacionalização da economia, a profunda divisão internacional do trabalho, a crescente cooperação entre estados e os processos de integração correspondem (...) a realidades e tendências de evolução não exclusivas do capitalismo. Em função da sua orientação, características e objectivos, tais processos podem servir os monopólios e as transnacionais, ou podem servir os povos».
6. O discurso dominante (assim dito, porque fruto da ideologia dominante e ao serviço dos objectivos da classe dominante), presente também na retórica de uma certa, auto-intitulada, «esquerda europeísta», tem-se centrado no falso dilema «mais integração» ou «desagregação» (sendo esta última invariavelmente identificada como a calamidade certa). O «mais Europa para enfrentar a crise» constitui uma variante comum deste discurso. Mais integração e mais Europa querem dizer mais transferência de poder para a UE e para as instituições europeias, nova cavalgada sobre a soberania dos povos e maior esvaziamento das estruturas de poder que lhes são próximas e que (melhor) controlam.
7. A transferência de poder ora é defendida abertamente, ora envolta na defesa da necessidade de uma melhor coordenação. A coordenação é com frequência apresentada como um fim em si mesma. O essencial passa para um plano secundário: coordenação em quê e para quê? Em torno de que políticas? É assim que as causas da crise são atribuídas à «falta de coordenação», obnubilando-se o facto de residirem sim, antes de mais, nas políticas seguidas.
8. A questão essencial é: a quem serve esta coordenação? Naturalmente, aos mesmos a quem serve a União Económica e Monetária, o Pacto de Estabilidade e Crescimento, a chamada governação económica ou o Pacto para o Euro Mais. Pensar ou afirmar o contrário será pura ilusão ou aldrabice intencional.
9. Cada perda de soberania nacional – nos planos monetário, orçamental, fiscal ou comercial, para referir alguns dos exemplos mais elucidativos – tem representado um avanço para o capital (nacional e transnacional) e um recuo para os trabalhadores, no plano dos direitos e das condições de vida. As tentativas de submissão nacional em curso na UE (bem evidentes no programa de agressão FMI-UE em Portugal, como na Grécia) representam, assim, indiscutivelmente, uma forma de opressão de classe que vem sendo exercida sobre os trabalhadores e os povos.