É a lei do mais forte
O PCP rejeita em absoluto as alterações propostas à legislação laboral, considerando-as reveladoras das «opções de classe» que animam o Governo em favor do capital.
Governo está para servir os poderosos
Esta posição foi reafirmada na passada semana pelo Secretário-geral do PCP, no Parlamento, no debate quinzenal com o primeiro-ministro, a quem deixou um aviso: «outros governos com maioria absoluta, quando confrontaram os trabalhadores, perderam».
«Não se esqueça disto: esta vai ser a primeira causa da sua derrota futura», atalhou Jerónimo de Sousa, depois de fundamentar, uma a uma, as razões das suas duras críticas às medidas preconizadas pelo Executivo do PSD-CDS/PP.
Como é o caso desde logo da proposta de alteração das regras do despedimento por inadaptação. Uma proposta que equivale a instituir «um princípio da lei da selva», segundo Jerónimo de Sousa, que não tem dúvidas quanto a ser esse o desfecho quando «o patrão e as secções de pessoal conseguem transformar-se em juízes em causa própria – num quadro de relações já de si profundamente desfavorável para quem trabalha –, passando a definir objectivos para depois poder dizer não cumpriste, vais para a rua com justa causa».
Desorganizar a vida
Repudiada com igual veemência foi também a proposta relativa ao banco de horas, em que um trabalhador pode trabalhar 12 horas por dia, 60 por semana, com o que isso significa «no plano da degradação da sua vida profissional, familiar, social, ainda por cima pago a singelo».
Depois de lembrar as condições «muito difíceis» em que se negociava a contratação no tempo do fascismo – tempo pelo qual ainda passou e disse lembrar-se bem –, o dirigente comunista acusou o Governo de estar a «tentar liquidar esse direito fundamental reconhecido aos sindicatos».
Uma atenção particular de Jerónimo de Sousa mereceu, noutro plano ainda, o subsídio de desemprego. Reduzi-lo, como quer fazer o Governo, mostra bem a sua «marca de classe» e revela que «está aqui para servir os interesses dos poderosos», acusou.
E por ser uma opção contra os interesses das classes trabalhadoras, Jerónimo de Sousa entendeu lembrar a Passos Coelho que outros governos do PSD, mesmo com maioria absoluta, conheceram o sabor amargo da derrota sempre que fixaram como alvo principal da sua ofensiva os trabalhadores.
Contra a Constituição
O chefe do Executivo, furtando-se às questões muito concretas levantadas pelo líder comunista, não foi além da vaga enunciação de que o actual «modelo tem de ser corrigido», informando em tom solene que o seu Governo «não tem opções de classe», o que motivou sonoros risos e apartes nas bancadas à esquerda do hemiciclo.
Escudou-se ainda na União Europeia e no FMI para justificar as alterações em matéria laboral, adiantando que são apenas essas firmadas com aquelas entidades que «nesta altura» estão em debate «em sede de concertação».
Não deixou de especificar, contudo, que as propostas visam «dar mais operacionalidade» a disposições já hoje contempladas na lei em âmbitos como o despedimento ou a flexibilização dos bancos de horas. E confessou ter-se inspirado no exemplo de funcionamento da Auto Europa.
Reagindo a estas afirmações do primeiro-ministro, cara a cara, o Secretário-geral do PCP fez-lhe notar que «antes de estar obrigado perante os senhores da União Europeia está obrigado perante a Constituição da República», sendo que esta, frisou – assim arrumando a questão –, «garante a segurança no emprego e a proibição dos despedimentos em Portugal».
Balanço de cem dias de Governo e «mal dita ajuda»
O País continua a afundar-se
A contradição no seio do Governo, falando a duas vozes, com o primeiro-ministro a dizer que para o ano poderemos ficar melhor e o ministro das Finanças a dizer que vamos ficar pior, foi um facto que não escapou ao Secretário-geral do PCP. Observação sem dúvida pertinente, tanto mais que este era um debate sobre «estratégia económica» (tema escolhido pelo Governo para servir de pano de fundo), ainda que o primeiro-ministro se tenha ficado por meros anúncios avulso, como o relacionado com uma «segunda reprogramação do QREN» ou o que se refere a uma alteração nas regras do reembolso do IVA às empresas.
Certo certo é que, passados estes cem dias, o País o que tem é «mais recessão, mais desemprego, três mil falências de empresas, mais injustiças, mais impostos, mais sufoco da própria dívida». Foi esta realidade que Jerónimo de Sousa trouxe para o centro do debate, não hesitando em responsabilizar por ela o Governo. «Em nome do combate à dívida e ao défice, agudizou e agravou a situação económica e social do País», acusou.
A recente entrevista do primeiro-ministro a um canal televisivo, em que este admitia o recurso a uma segunda «mal dita ajuda», na expressão de Jerónimo de Sousa, foi outro tema a servir de mote. Depois de ter observado que Portugal «não é nem credor nem devedor» da Grécia, o dirigente comunista instou o chefe do Executivo a esclarecer quais as razões que o levaram a estabelecer essa ligação e a admitir, consequentemente, uma nova intervenção externa.
«Não está a reconhecer que esta primeira mal dita ajuda, afinal, não resolveu coisa nenhuma e que vamos continuar a afundar-nos, tendo em conta particularmente o problema do endividamento?», inquiriu.
Passos Coelho, na resposta, aludindo às diferenças de discurso entre si e o titular da pasta das Finanças, tentou negá-las com o aldrabado disfarce de que ambos teriam dito que «a partir de 2012 encetaríamos um caminho de recuperação do crescimento económico», quando a verdade é que Vítor Gaspar afirmou literalmente nos EUA que o pior ainda estaria para vir.
Sobre um segundo pedido de intervenção da troika, esclareceu não ter dito que o Governo o iria pedir, reconhecendo embora a existência de «riscos externos que não podemos deixar de contabilizar».
E depois de afirmar não ser seu desejo que um país da zona euro entre em incumprimento, não excluiu que se tal vier a acontecer «é de esperar que o BCE possa necessitar de uma política mais activa de cedência de liquidez aos bancos portugueses» e que o chamado «programa de assistência a Portugal precise de ser reforçado».
«Pois, senhor primeiro-ministro, quem fala no barco quer embarcar», replicou Jerónimo de Sousa. E pondo a questão em pratos limpos, lembrou que quem está no comando económico e financeiro da Europa não são os governos – «estes não são mais do que meros feitores», frisou – mas sim o capital financeiro. Será este, pois, concluiu, quem «determinará se é necessária ou não uma segunda mal dita ajuda ao nosso País».
Silêncio cúmplice
As recentes declarações da chanceler alemã Angela Merkel sobre os países que não cumpram os rácios do défice e da dívida, defendendo que os mesmo «devem ser castigados com perda de soberania», motivaram também uma reacção de forte repúdio por parte de Jerónimo de Sousa.
Em sua opinião, esta é uma declaração «gravíssima» e de «insolente sobranceria» que deveria ter exigido do Governo português um veemente protesto e não, como sucedeu, um «inaceitável silêncio».
«Porquê, senhor primeiro-ministro?», foi a pergunta do líder comunista, que quis saber ainda se um país com mais de oito século de história como é o nosso «não tem outra saída se não colocar-se na humilhante posição de reverência subalterna a que o Governo o condena».
Jerónimo de Sousa não deixou de observar, por outro lado, falando-se em «perda de soberania», que isso implica que alguém, de modo inverso, «a vai ganhar».
«Quem é que a vai ganhar?», inquiriu, por isso, o dirigente comunista, indignado por «uma voz estrangeira» vir dizer que podemos perder soberania, facto que reputou da maior gravidade.
«Não admitimos isto», rematou Jerónimo de Sousa, manifestamente revoltado perante o comportamento do Governo do PSD-CDS/PP, um «silêncio» que insistiu em classificar de «estranho e inaceitável».
E a verdade é que este silêncio não foi quebrado no debate.