Cúpula militar segura regime
Os egípcios mantêm a exigência de profundas mudanças democráticas e acusam a cúpula das forças armadas de trair as aspirações populares, procurando manter o fundamental do regime derrubado pela revolta de Janeiro/Fevereiro no país.
«Mudámos um Mubarak por 18 mubarak’s”, sintetizou um jovem universitário»
Desde o passado dia 8 de Julho, milhares de pessoas permanecem acampadas na Praça Tahir. O regresso do povo à vigília no centro do Cairo, e as amplas acções de massas realizadas todas as sextas-feiras desde então, têm como objectivo obrigar o Conselho Superior das Forças Armadas (CSFA) a concretizar as prometidas reformas políticas no Egipto.
Longe parecem estar os tempos em que nas ruas se garantia que o povo e os militares empreendiam a mesma luta pelo desmantelamento do regime. Agora, muitos dos manifestantes acusam de traição a cúpula castrense que assumiu o poder após o derrube de Hosni Mubarak. «Mudámos um Mubarak por 18 mubarak’s», sintetizou o jovem universitário Jaled Mohammad, de 26 anos, citado pela Inter Press.
Na base do divórcio está, antes de mais, o papel desempenhado nos últimos meses pela CSFA, liderada por Hussein Tantaoui, personalidade que, durante anos, foi ministro da Defesa de Mubarak. Tantaoui e os altos quadros que o rodeiam no governo e no Conselho, diz quem se manifesta, não são nem justos nem céleres em levar perante os tribunais civis os antigos responsáveis da ditadura.
Pelo contrário, à transigência revelada para com os ex-governantes, opõe-se a mão pesada que se abate sobre os participantes na revolta do início deste ano. Centenas têm sido rapidamente condenados a penas de prisão nos tribunais militares (prática, aliás, herdada da ditadura), enquanto que para Mubarak e para muitos dos seus ministros imperam a derrogação de prazos na aplicação efectiva dos castigos, os adiamentos sucessivos no início dos processos e, quando estes ocorrem, a absolvição.
A título de exemplo, ainda recentemente três antigos ministros de Mubarak foram ilibados do crime de corrupção, e sete polícias acusados de matarem manifestantes saíram em liberdade mediante pagamento de caução.
Repressão
Para quem contesta esta situação, a resposta das forças armadas é a repressão. No domingo, autoridades e alegados grupos defensores da ditadura atacaram centenas de manifestantes concentrados junto ao edifício sede do CSFA. Pelo menos 230 pessoas resultaram feridas e um número indeterminado acabou detido pela polícia e pelo exército, que montaram uma barreira de blindados para impedir o acesso ao Ministério da Defesa e dispersaram a multidão com tiros para o ar.
Uma iniciativa idêntica tinha sido reprimida pelos militares, sexta-feira, e incidentes em acções de protesto promovidas pelo povo egípcio foram registadas igualmente em Alexandria e no Suez.
«Abaixo o poder militar» e «Tantaoui agente dos EUA» são palavras de ordem que sobressaem nas acções reivindicativas, qualificadas pela cúpula castrense como actos de traição lesivos dos interesses do Egipto.
A pressão das massas por medidas concretas é tal que os militares já chegam ao ponto de incitar «os egípcios respeitáveis» a confrontar quem insista na «divisão do povo e do exército» ou coloque obstáculos ao «regresso à normalidade». Mas em Tahir, como em Alexandria ou no Suez, o povo não parece disposto a aceitar de braços cruzados a traição em curso.
Arremedo eleitoral
No centro da discórdia está, também, a nova lei eleitoral. No domingo, 28 partidos rechaçaram as normas impostas pela Junta militar para a realização dos sufrágios, noticiou o Gara. De acordo com as regras impostas pelos militares, ao arrepio das propostas apresentadas pelas formações políticas, metade do parlamento será eleito em listas fechadas e a outra metade em listas abertas.
Ora, para os partidos, a possibilidade de eleição de deputados «independentes» abre caminho à manutenção de eleitos afectos ao regime derrubado e aos interesses económicos dominantes, suficientemente abastados para comprarem votos favoráveis aos candidatos que melhor os servirem.
Mais, o CSFA rejeita que as eleições sejam observadas por organismos internacionais e reservam para nomeação do futuro presidente – cuja data de eleição está adiada até ver – cerca de um terço dos lugares do Senado.
Neste quadro, pouco ou nada muda face ao que vigorava no tempo de Mubarak, acusam os contestatários.