Um «pacto de confiança»
«Conhecer Deus é praticar a justiça, ser solidário com os pobres, tal como eles existem hoje: oprimidos, membros de uma classe, de uma raça, de uma cultura ou de uma nação explorada» (Gustavo Gutierrez, professor de Teologia e pioneiro da Igreja da Libertação).
«Actualmente, vemos a Cruz não como um símbolo triunfalista mas como aquilo que nos convida a estar atentos ao tempo presente e a aceitar os desafios da acção e do compromisso … A Caridade e as suas obras perdurarão!» («Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia», Maio de 2005).
«O XIX Governo tomou posse e apresentou o seu Programa… Com um compromisso claro: vencer a crise e mudar o País em quatro anos. Não pode falhar ! Há uma convocação geral para a celebração de um Pacto de Confiança...»
(Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade – CNIS, padre Lino Maia, Julho de 2011).
Actualmente, Portugal é um mercado onde tudo se compra e vende. Por isso, acham os governantes que a crise económica geral também representa um excepcional «nicho de oportunidades». Só os mais aptos, dizem eles, são capazes de aproveitar as portas abertas para o futuro. Os próprios governos capitalistas praticam entre si essa filosofia: dão «apoios solidários» uns aos outros, mas cobram pesadas margens de lucro nas facturas que apresentam; partilham interesses com os monopolistas; negoceiam princípios institucionais que teriam a obrigação de salvaguardar; jogam impunemente com nacionalizações, privatizações e movimentações de capitais especulativos; e cultivam a linguagem das mentiras, das intrigas e dos enganos. Ou seja, transformam a miséria numa fonte de lucros.
Ainda há poucos dias, os responsáveis católicos na área da Segurança Social deram-nos uma pálida ideia do imenso caudal turvo em que mergulham os negócios entre o Patriarcado e o Governo da direita. Tratava-se do anúncio de que o CNIS estava prestes a entregar aos ministros um projecto de um novo estatuto solidário intitulado «Pacto de confiança». O jornal «Solidariedade», órgão informativo central do Movimento, divulgou as linhas gerais do novo estatuto que envolverá a Igreja, o Estado, a sociedade civil, as autarquias locais, a Segurança Social, as ONG e IPPSS, as instituições de Educação e Saúde, as áreas «filantrópicas» e do voluntariado, etc.,etc. O «Solidariedade» avançava igualmente com a notícia de que o Governo prepara activamente a transferência para as unidades da sociedade civil dos equipamentos que constituem o parque da Segurança Social do Estado (creches, lares para idosos, cantinas, centros de dia, escolas, infantários, etc.). Notícia já confirmada pelo actual ministro do CDS, Pedro Mota Soares.
Ainda não é certo se este novo golpe teatral deixará de revestir-se das proverbiais medidas de ocultação. A estratégia adoptada talvez se venha a decidir pela versão de uma simples mudança de gestão. Isto permitirá prolongar indefinidamente o financiamento das ONG, IPSS, Misericórdias, Mutualidades e demais organizações caritativas pelo contribuinte comum, tal como agora acontece. O Estado pagará menos, a Igreja receberá mais e o cidadão terá de suportar um fardo cada vez mais pesado. Enfaticamente, o padre Lino Maia chama a atenção para o facto de que o novo esquema assistencial envolverá a curto prazo multidões de idosos, deficientes, desempregados, famílias, associais, crianças, jovens, estudantes, pequenos comerciantes, etc., num universo sempre crescente. Implicará, evidentemente, para a Igreja católica, a conquista de uma grossa fatia das competências que a lei geral da nação reconhece ao Estado.
O «sector solidário» ou «terceiro sector» disporá, uma vez que venha a ser consolidado, de uma importante «vertente de mercado». A formação «em rede» das IPSS dá lugar a que nem todas as pedras que constituem a sua pirâmide sejam iguais. A maior parte nem sequer é imprescindível. Mas as fundamentais, as «pedras de toque» são poderosas e atravessam transversalmente toda a construção. Quando nos é dito que «não são lucrativas» procuram induzir-nos em erro. Todas elas se encontram ligadas a «patrocinadores» poderosos, escolhidos entre o grande empresariado, os especuladores e os banqueiros. Todas elas se prestam a obscuras operações financeiras. Neste sentido havemos de tentar ver um pouco melhor.
Pena é que muitos católicos não sintam necessidade de investigar e conhecer o que se passa na sua própria Igreja.