Costa, o «Reutilizador»

Henrique Custódio

O novo secretário de Estado da Segurança Social, Marco António Costa, prepara-se para apresentar um tal Plano de Emergência Social – PES (sigla, literalmente, «feita com os pés»), onde engendrou um esquema que pretende, em linhas gerais, «reutilizar medicamentos» para dar «às famílias pobres». Em linhas mais pormenorizadas, esta grande ideia do secretário Costa pretende concretizar-se com «a tentativa de replicar a nível nacional um sistema de recolha e (re)distribuição de fármacos» que permite que «quem tem medicamentos de sobra em casa os possa entregar numa farmácia para que possam ser redistribuídos» (sic in Público).

Redistribuídos a quem? Aos pobres, tá dito. E como?

Eis uma questão de peso.

Como se identificam os pobres, na farmácia onde vão pedir os tais «medicamentos reutilizados»?

Vão de chapéu na mão e informam, com a conveniente humildade e contrição, que são pobres?

Percorrem os labirintos do Ministério da Saúde à procura duma «estrela de David», como a dos judeus nas cidades de Hitler, que lhes dêem identificação e acesso aos «medicamentos para pobres»?

Ou levam, simplesmente, um atestado de pobreza lavrado por uma autoridade – a Junta de Freguesia costuma servir para estas miudezas mas aí, apesar de tudo, são necessárias duas «testemunhas idóneas», sendo que o problema é saber onde um pobre vai arranjar testemunhas. Obviamente, entre os da sua espécie, mas os pobres, face à burocracia estatal, são invariavelmente olhados como «pouco fiáveis».

Como se vê, a ideia do secretário Costa tropeça em inesperados escolhos.

Talvez porque o sr. Secretário não tenha matutado bem no assunto.

Ou, quiçá, porque não faz a mínima ideia do que é ser pobre, o que se configura natural em quem nasceu, cresceu e tem vivido em berços de oiro, onde «os da sua espécie» jamais se cruzariam com pobres de qualquer grau... de indigência.

Por isso, nesta desastrosa «caridade nacional» para redistribuir, a pobres e em público, medicamentos já usados e recolhidos, por um muito duvidoso voluntariado, das casas-de-banho de qualquer um, nunca deve ter ocorrido ao secretário Costa que estava a promover uma campanha nacional simultaneamente humilhante, discricionária, inconstitucional e grosseiramente «caridosa».

Inconstitucional, porque é frontalmente anti-SNS – Serviço Nacional de Saúde – que é geral, universal e tendencialmente gratuito – princípios que estão consagrados no texto fundamental.

É claro que não assomou à ideia do secretário Costa uma coisa que está farta de ser proposta e debatida na AR (até pelo seu comparsa governamental, o PP) – a instituição da unidose nas farmácias, uma medida que evitaria os tais desperdícios que agora o secretário Costa quer impingir aos pobres.

Mas o que interessa, neste ataque frontal ao SNS do secretário «Reutilizador», é ser apenas ridículo na forma e no objectivo. Na substância, é um letal indício do que aí vem para desmantelar, pela raíz, o próprio SNS.



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