Embuste colossal

Anabela Fino

Pri­meiro foi Ca­vaco Silva e mais uns quantos em­pre­sá­rios a ad­vogar – à en­trada ou à saída de um re­pasto con­di­cente com as ilus­tres per­so­na­li­dades – que os res­tau­rantes de­viam ser «so­li­dá­rios» e dis­tri­buir os restos pelos ne­ces­si­tados, ao invés de os dei­tarem para o lixo. Agora é a vez do se­cre­tário de Es­tado da Se­gu­rança So­cial, Marco An­tónio Costa, se­guindo o exemplo que a Câ­mara de Cas­cais vem im­ple­men­tando desde que em Fe­ve­reiro lançou o  «Pro­jeto Far­má­cias do Con­celho de Cas­cais», vir anun­ciar a dis­tri­buição aos po­bres não do bodo (re­feição em que todos po­diam par­ti­cipar li­vre­mente) mas de me­di­ca­mentos so­brantes de ou­tras ne­ces­si­dades. Noutro re­gisto, mas não di­fe­rente no es­pí­rito, o mi­nistro das Fi­nanças, Vitor Gaspar, fez questão de su­bli­nhar que  60 por cento da re­ceita ar­re­ca­dada com o im­posto ex­tra­or­di­nário cor­res­pon­dente a me­tade do sub­sídio de Natal no que ex­ceder o sa­lário mí­nimo na­ci­onal (485 euros)  virá dos «sa­lá­rios mais ele­vados».

Em qual­quer dos casos, do que se está a falar é de so­bras, ainda que em bom es­tado de con­ser­vação e em­bru­lhadas em muita ca­ri­dade cristã, de mi­séria sem pers­pec­tiva de re­missão, e de es­bulho dos que tão pouco tendo são sempre mais e mais ex­plo­rados.

Se houver restos, os que não con­se­guem prover às suas ne­ces­si­dades po­derão even­tu­al­mente comer ou ali­viar a do­ença, se e quando os be­ne­mé­ritos acharem con­ve­ni­ente. O que não podem, porque o sis­tema que nos oprime não per­mite, é viver dig­na­mente do seu tra­balho, da sua re­forma, da sua pensão, que de tão es­casso valor não chega para sa­ciar a fome e acudir à do­ença e até es­capa ao im­posto ex­tra­or­di­nário.

Sub­ja­cente a esta men­ta­li­dade está um co­lossal em­buste: o pres­su­posto de que nada se pode fazer para res­gatar cerca de me­tade da po­pu­lação por­tu­guesa da mi­séria, que acima dos 485 euros se vive à larga, e que é pre­ciso haver ricos para «acudir» aos po­bres. Mais, que para criar mais umas mi­ga­lhas, mais umas so­bras, é pre­ciso fa­ci­litar os des­pe­di­mentos, con­gelar os sa­lá­rios, au­mentar o ho­rário de tra­balho, que é jus­ta­mente o que o Go­verno se propõe fazer na mal cha­mada con­cer­tação so­cial. A bem da Nação, evi­den­te­mente.



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