Fukushima pode ser pior que Chernóbil
O desastre nuclear na central de Fukushima, no Japão, pode ser mais grave que o ocorrido em Chernóbil, na União Soviética em 1985, afirma um especialista nuclear com base nos dados mais recentes.
«Os núcleos expostos têm um potencial de libertação de radioactividade 20 vezes maior que Chernóbil»
De acordo com testemunhos ouvidos por Dahr Jamail para a Al-Jazeera, o acidente na infra-estrutura explorada pela privada Tokyo Electric Power Company (TEPCO) é mesmo a pior catástrofe industrial da história da humanidade.
No artigo, Jamail dá voz a Arnold Gundersen, quadro da indústria nuclear com 39 anos de experiência e ex-responsável pelo desenho, administração e coordenação de projectos em 70 centrais norte-americanas. Segundo Gundersen, em Fukushima encontram-se três reactores e quatro núcleos de combustível expostos, o que equivale a «20 núcleos de reactores a necessitarem desesperadamente de serem arrefecidos».
O problema é que «não há meios para o fazer efectivamente», pelo que a solução seguida pela TEPCO tem sido derramar sobre eles milhões de litros de água, o que, continua Gundersen, conduz a outro problema: «o que fazer com centenas de milhares de toneladas de líquido impreganado de plutónio e urânio?», questiona.
Para o especialista, neste momento «os combustíveis são uma massa disforme» que a própria empresa nipónica admite ter passado através do fundo do reactor, contaminando, assim, o meio ambiente.
Os 20 núcleos expostos têm um potencial de libertação de radioactividade «20 vezes maior que Chernóbil», acrescenta, facto que os dados analisados por Gudersen parecem comprovar, já que «estamos a encontrar lugares perigosos mais afastados [do epicentro do acidente] que em Chernóbil e com uma quantidade de radiação que levou a que algumas áreas fossem [na Ucrânia] declaradas terra de ninguém».
Muito mais grave do que se diz
No trabalho escrito para o canal de televisão do Qatar, o jornalista recorda que é a própria TEPCO quem admite que o desastre em Fukushima é mais grave que o sucedido em Chernóbil. Recentemente, o governo japonês calculou em quase 1000 quilómetros quadrados o total de território inabitável em redor da central.
A este respeito, Gundersen sublinha que as consequências do acidente foram subestimadas e que os novos elementos não estão a ser difundidos pelos meios de comunicação social. Sabe-se agora que «só na primeira semana após o desastre nuclear foi libertada 2,3 vezes mais radiação que a divulgada publicamente nos primeiros 80 dias do acidente», insiste.
Para Gundersen, «passará mais de um ano até que as unidades afectadas deixem de ferver», e, por isso, cessem a produção de «vapor e líquido radioactivo», isto além da contaminação a muito longo prazo dos lençóis freáticos e dos perigos apresentados pelos núcleos fundidos, que têm de ser guardados infinitamente caso seja encontrada tecnologia para tal, refere.
Na sua análise, Gundersen salienta igualmente que, nos últimos 90 dias, os cientistas japoneses encontraram partículas perigosas em toda a parte, e mesmo na Costa Oeste dos EUA, milhares de pessoas estão a ser afectadas.
Após o acidente, a médica Jannette Sherman e o epidemiologista Joseph Mangano observaram um aumento de 35 por cento na mortalidade infantil em cidades norte-americanas como San José, Berkeley, San Francisco, Sacramento, Santa Cruz, Portland, Seattle e Boise, e colocam a hipótese de tal se dever à chuva radioactiva, recorda-se ainda no trabalho publicado pela Al Jazeera.
O alarme só ainda não soou nos EUA, porque a operadora nuclear Exelon foi um dos maiores contribuintes da campanha presidencial de Barack Obama. O actual presidente norte-americano e candidato a um novo mandato, nomeou mesmo o presidente executivo da empresa para a comissão de avaliação e acompanhamento do futuro nuclear dos EUA, acusa-se.
O lucro acima de tudo
No seu trabalho, Dahr Jamail ouviu ainda um físico e professor jubilado pela Universidade de Nagóia. Shoji Sawada considera que um dos factores que contribuíu para a dimensão da catástrofe foi que a maioria dos reactores do Japão foram desenhados por empresas norte-americanas, isto é, companhias que desenvolviam projectos destinados a operarem num território onde os terremotos não são um elemento preponderante. A sua implementação não teve, portanto, em conta a realidade nipónica.
Sawada aponta ainda o dedo aos EUA quando fala da política energética japonesa, garantindo que «a maioria dos cientistas japoneses entendia, à época, que a energia nuclear ainda não era suficientemente conhecida para lhe ser dado um uso prático», e frisa que o Conselho Científico do Japão foi mesmo contrário ao uso de urânio enriquecido na produção de energia.
Mas o executivo nipónico cedeu aos interesses económicos dos EUA, concluiu o professor e sobrevivente do holocausto nuclear de Hiroshima, resultante de uma bomba lançada pelos EUA.
AIEA crítica Japão
A Agencia Internacional de Energia Atómica (AIEA) diz que as autoridades japonesas deviam ter implementado as normas estabelecidas entre os cerca de 150 países-membro e a organização em caso de acidente nuclear. Apesar de admitir que o Japão não era obrigado a fazê-lo, já que o protocolo não é vinculativo, a AIEA censura o governo nipónico pela não adopção das medidas de segurança e comunicação existentes.
Num relatório elaborado por peritos após visita ao arquipélago e divulgado esta segunda-feira, o Japão é ainda criticado por, em 2002, não ter pedido que os analistas da Agência avaliassem a revisão das medidas anti-tsunami.
A AIEA divulgou o texto dois dias depois da TEPCO ter suspendido as operações de descontaminação da água existente na central devido aos elevadíssimos níveis de radioactividade registados.
A empresa não informou quando ou se prevê retomar os trabalhos.