Com uma imensa alegria

Ângelo Alves

A vitória da canção «Luta é alegria» no Festival da Canção é, do ponto de vista musical, discutível. Como é discutível o «peso político» atribuído a este facto, como se a votação do público tivesse assumido o carácter de plebiscito do povo português. Assim não foi, e tentar transformar um acontecimento, produto de circunstâncias particulares, num qualquer momento de «viragem histórica» (por mais simpatias que se tenha com a música e seus autores e com a sua vitória no Festival) é semear ilusões inconsequentes e não poucas vezes «anestesiantes» da tão necessária consciência e participação sociais e políticas.

Deixando de lado aqueles que logo no próprio dia no Teatro Camões destilaram todo o seu veneno reaccionário e sectário contra os «Homens da Luta» – e que continuam a fazê-lo – as opiniões sobre esta forma de intervenção dividem-se: entre os que a consideram uma visão anacrónica e caricatural da «luta» e portanto distante da realidade; e os que a consideram uma interessante e inovadora forma artística de «transportar» para os tempos presentes a Revolução de Abril, tentando incutir nas jovens gerações o seu lastro cultural e de participação cívica e política.

Mas, independentemente de naturais diferenças de opinião, há dois factos importantes a registar. O primeiro é que o acontecimento fez sair dos armários o bafiento ódio e o medo que muita «gentinha» tem à Revolução de Abril e à luta popular e de massas. O segundo é que em Maio, por essa Europa fora, muitos milhões de pessoas verão nas suas TV’s uma imagem «estranha»: operários em luta; uma ceifeira alentejana; um cantautor revolucionário; um militar ao lado dos operários em luta e… cravos vermelhos. E vão perguntar-se porquê…

Deseja-se então que os protagonistas deste acontecimento – porque lidando com o que de mais rico, importante e belo existe na nossa história colectiva - estejam à altura das responsabilidades, façam compreender que a luta do povo português tem passado, presente e futuro, que as suas etapas são indissociáveis entre si e que neste país nunca deixaram de existir Homens que lutam. Sempre, e com uma imensa alegria!



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