É tempo de Impedir a guerra

Ângelo Alves

Es­tamos pe­rante um con­flito in­terno que se de­sen­rola num país com ca­rac­te­rís­ticas muito par­ti­cu­lares

A re­tó­rica im­pe­ri­a­lista e a «tenda me­diá­tica» mon­tada em torno da Líbia re­mete-nos para Março de 1999, a data da agressão da NATO à Ju­gos­lávia que re­sultou no des­mem­bra­mento da fe­de­ração ju­gos­lava, em crimes imensos contra aquele povo que ainda hoje afectam aquelas po­pu­la­ções e na ins­ta­lação de bases mi­li­tares e pro­tec­to­rados dos EUA e da NATO na re­gião.

A evo­lução dos acon­te­ci­mentos de­monstra-nos es­tarmos pe­rante um grande pe­rigo e uma si­milar es­tra­tégia im­pe­ri­a­lista e por isso pe­rante uma si­tu­ação muito di­fe­rente da dos le­van­ta­mentos po­pu­lares do Egipto, Tu­nísia, Bah­rein, Iémen, entre ou­tros. É óbvio que uma parte da po­pu­lação líbia já não se revê em Kadhafi e no seu re­gime «uni­fi­cador de todos os clãs» – o mesmo re­gime que (so­bre­tudo após 1993) abraçou os pro­gramas de ajuste es­tru­tural do FMI e a sua po­lí­tica de pri­va­ti­za­ções; os grandes ne­gó­cios com as prin­ci­pais po­tên­cias im­pe­ri­a­listas e a «guerra contra o ter­ro­rismo» de Bush. Mas também há dados que nos in­dicam con­ti­nuar a haver sec­tores que apoiam o ac­tual re­gime, seja do ponto de vista po­lí­tico e mi­litar, seja po­pular.


 Ou seja, es­tamos pe­rante um con­flito in­terno que se de­sen­rola num país com ca­rac­te­rís­ticas muito par­ti­cu­lares e em que os clãs, e o acesso que têm ao ar­ma­mento, pe­saram de­ter­mi­nan­te­mente no facto de o con­flito ter ra­pi­da­mente res­va­lado para um con­fronto mi­litar in­terno, com as ter­rí­veis con­sequên­cias que isso acar­reta. Não es­tamos por­tanto, como a de­sin­for­mação im­pe­ri­a­lista tenta fazer passar, pe­rante um «ter­rível mas­sacre» de civis per­pe­trado por um «di­tador louco» que envia os seus aviões para «bom­bar­dear civis de­sar­mados», o ce­nário per­feito para re­pisar a pa­tranha da «in­ter­venção hu­ma­ni­tária».

Es­tamos por­tanto pe­rante uma si­tu­ação que exi­giria de uma «co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal» digna desse nome ac­ções di­plo­má­ticas e po­lí­ticas de apoio à con­tenção e à re­so­lução pa­cí­fica do con­flito no es­trito res­peito pela in­de­pen­dência, so­be­rania e in­te­gri­dade ter­ri­to­rial da Líbia. Ora passa-se exac­ta­mente o con­trário. A opção be­li­cista e de in­ge­rência aberta está to­mada e a prová-lo estão as de­cla­ra­ções feitas por Ban Ki Moon (que nas pa­la­vras de Fidel Castro «regou uma boa dose de com­bus­tível sobre o fogo») e a re­acção dos EUA, NATO e União Eu­ro­peia a quais­quer ten­ta­tivas de me­di­ação po­lí­tica do con­flito – como a pro­posta pela Ve­ne­zuela e aceite por Kadhafi – ra­pi­da­mente «bom­bar­deada» pela pro­pa­ganda e re­tó­rica do im­pe­ri­a­lismo.


Se dú­vidas hou­vesse dessa opção, a cap­tura de mi­li­tares ho­lan­deses em ter­ri­tório Líbio pelas forças leais a Kadhafi e a cap­tura de mi­li­tares bri­tâ­nicos pelos pró­prios re­beldes, eli­miná-las-iam. Estes dois acon­te­ci­mentos são elu­ci­da­tivos da es­tra­tégia da NATO e das suas prin­ci­pais po­tên­cias: de­sen­volver, num quadro de uma si­tu­ação de con­flito in­terno, uma ilegal e cri­mi­nosa acção de in­ge­rência, es­pi­o­nagem, in­ci­ta­mento, treino e ar­ma­mento de al­guns sec­tores re­beldes, criar o «caos hu­ma­ni­tário» no País e, fi­nal­mente, abrir o campo ao grande ob­jec­tivo: a in­ter­venção mi­litar e do­mínio sobre aquele imenso ter­ri­tório.

Há con­tudo im­por­tantes fac­tores que podem travar a es­tra­tégia do im­pe­ri­a­lismo: 1 - As massas po­pu­lares em mo­vi­mento no Mundo Árabe e os seus ge­nuínos sen­ti­mentos anti-im­pe­ri­a­listas; 2 - a pos­tura da China e da Rússia no Con­selho de Se­gu­rança das Na­ções Unidas con­trária a uma agressão à Líbia; 3 – por­ven­tura o mais im­por­tante: o real sen­ti­mento de in­de­pen­dência na­ci­onal de todo o povo líbio (re­gime e re­beldes) bem ex­presso nas su­ces­sivas de­cla­ra­ções dos re­beldes contra uma in­ter­venção mi­litar es­tran­geira no con­flito Líbio.


Cabe aos povos do Mundo, e também ao povo por­tu­guês, de­sen­volver am­plos mo­vi­mentos de opi­nião e de massas que ex­pressem a sua frontal opo­sição a uma agressão à Líbia, abrindo assim campo e dando es­paço de ma­nobra àqueles que ainda não de­sis­tiram da ne­go­ci­ação, da so­lução po­lí­tica e da paz. Pelo povo líbio!



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