A «crise global» e o dirigente voluntário
Uma das dificuldades para o Movimento Associativo enfrentar e equacionar o problema da «crise», reside no facto de muitos dos seus dirigentes não possuirem uma noção clara do seu significado. Uns afirmam que a antiga solidariedade social e dedicação à «causa comum» se perdeu para ser substituída por um egoísmo profundo, que «fecha» os indivíduos sobre si próprios (contudo, sabe-se que o número de clubes e o de dirigentes tem estado em aumento constante). Outros, voltam-se para o Estado acusando-o de não os apoiar na sua acção (no entanto, nunca, em momento algum, os clubes foram tão apoiados pelo Poder Local, ainda que se saiba que o Poder Central se mantém na atitude antiga de alheamento e, até, de hostilidade). Ainda outros, falam na profusão de solicitações de toda a ordem que rodeiam o indivíduo no seu tempo livre (a televisão, o turismo de massa, o consumismo, etc.). Finalmente, refere-se ainda a complexificação da vida social provocada pela mudança e a sobrecarga do trabalho, as dificuldades de transporte, a intensa competição no mercado, o desemprego, a precarização, a flexibilização, as novas necessidades de formação, etc.
Todos estes aspectos têm, pelo menos, alguma razão de ser e, se agregados numa totalidade que caracteriza a vida actual do trabalhador, chega-se facilmente à conclusão que a crise é de carácter geral. Ou seja, trata-se de uma crise social global.
Mas esta constatação pode ter, e tem como alguma frequência, um carácter paralisante. A crise é global e engloba toda a sociedade: e depois? Tem o Movimento Associativo algum papel a desempenhar no seu combate? E se tem como desempenhá-lo?
Se respondermos afirmativamente teremos de equacionar algumas questões centrais: as formas de militantismo evoluem, tanto mais que se sentem dificuldades de vida que levam a ter de se pesar, com bom senso, a possibilidade em assumir responsabilidades ou novas iniciativas; as aspirações dos próprios «carolas» sofreram também transformações, sendo fácil verificar que o desejo de muitos é o de transformarem o seu clube numa associação dedicada ao espectáculo desportivo (e chegar à 1.ª divisão!), e garantir o aparecimento de campeões custe o que custar; responder às novas características dos jovens ou animar novas actividades, impõe que se adquiram novas capacidades (gestão, promoção, animação, etc.).
Tudo isto constitui o processo multifacetado da «crise» do dirigismo desportivo popular (a «crise» do associativismo dos clubes transformados em verdadeiras empresas de espectáculos, assume outras características). Todo este complexo conjunto de elementos contribui para dificultar a indispensável renovação dos dirigentes associativos e em alargar substancialmente o seu número.
O desencorajamento provocado pela ausência de meios e de apoios, a necessidade de mudar provocada pela saturação de um processo cujas dificuldades parecem não ter fim, tudo isto aconselha a que o Movimento Associativo repense, profundamente, esta questão, de forma a poder limitar as consequências de uma situação que atinge, nos seus fundamentos, a sua cultura, e a possibilidade de aceder a actividades cujo valor formativo, mediante determinadas condições, é indiscutível.
Aquilo que aqui se pretende afirmar refere-se ao seguinte: a compreensão das «crises» pelo dirigente associativo tem de passar, em primeiro lugar, pelo significado da crise social global, para depois analisar os aspectos que esta impõe ao próprio Movimento Associativo. Isto também pretende afirmar um outro aspecto: é que as «crises» não são geradas no seu próprio seio, mas constituem, de facto, reflexos directos, mais ou menos agudos, de um sistema social em que predominam valores desumanizadores, essencialmente comandados pela noção central da obtenção do lucro economicista. Perspectiva que, como sabemos, se opõe directamente os princípios fundamentais orientadores da actividade associativa.
Todavia, esta constatação não nos pode levar à posição fatalista (e algo cómoda...) de se entrar num processo passivo de que só emerge o grito reivindicativo sem estrutura sólida, facilmente apagado, no seu fogo interior, pela indiferença geral. Não! É preciso equacionar a problemática da crise e para ela desenhar, em termos globais, uma resposta estratégica assente em sólidos e coerentes princípios de acção. Esta, por sua vez, não pode ser definida em termos superficiais, assentes em opiniões vazias de sentido (por ex. a questão da subsídio-dependência, a subordinação ao modelo federado que, de facto, está a «matar» muita capacidade, etc.) ou pouco meditadas.
Uma estratégia de acção tem de partir de uma doutrina, assentar num diagnóstico da situação, definir objectivos precisos e meios de toda a ordem a utilizar, avaliação faseada da evolução, etc. Ora, tudo isto só se consegue com a união dos clubes, a construção de uma estrutura forte de que sejam banidas as questiúnculas mais ou menos «fulanizadas».