Duas notas sobre o regresso da «política»

Filipe Diniz

1

Uma volta pelos jornais de fim-de-semana dá uma instrutiva panorâmica daquilo a que o jornalismo «de referência» chama a rentrée.

A rentrée é o regresso depois do veraneio da «política» tal como esse jornalismo a concebe: uma mistura de personalização e banalidade («Passos Coelho é quem cozinha lá em casa») com o elevar de tom da encenação do «confronto» entre PS e PSD, com o confinamento da disputa política à relação de forças entre esses dois partidos, a promoção das suas propostas e dos seus chefes. E, se algum espaço sobra, uma promoção semelhante de CDS e BE.

A mão jornalística que escreve parece sempre a mesma. Passos Coelho exige «com dureza», Sócrates responde-lhe «com um discurso duro», o PSD reage duramente a essa dureza, e assim por diante. O «duro» confronto em papel de jornal é o cenário da «crise política» a coreografar.

Estes jornalistas informam que Sócrates acusa – sem se rir - o PSD de pretender liberalizar os despedimentos sem justa causa, acabar com o Serviço Nacional de Saúde, destruir a escola pública. A jornalista do «Público», épica, escreve que Sócrates empunha «uma a uma» as «bandeiras do Estado social» em nome, está claro, «dos ideais da justiça e da solidariedade». Em que Portugal viverá esta profissional da informação?

Mas até no universo de deliberada ocultação e de redonda mentira de que este jornalismo é cúmplice alguma verdade acaba por transparecer. O Sócrates que sábado à noite faz «duras» acusações ao PSD é o mesmo que sábado de manhã afirma em título de jornal que «tudo é negociável» (com o PSD, entenda-se).

É nessa afirmação que reside o essencial deste fim-de-semana de rentrée. Tudo o resto é repetição de uma rábula requentada.

 2

 O DN de 22.08.10 traz uma entrevista com uma importante figura da arte portuguesa, o pintor Nadir Afonso. Numa sequência de perguntas acerca da reflexão marxista sobre arte – matéria em que, manifestamente, não está muito à vontade – reconhece que não leu «A Arte, o Artista e a Sociedade». Mas isso não o impede de afirmar que, para Álvaro Cunhal, «os bons pintores eram os do seu partido».

Está visto que é urgente que alguém ofereça a Nadir Afonso a referida obra de Álvaro Cunhal.



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