Questões murais

Gustavo Carneiro

O presidente do PSD de Almada escreveu uma Carta Aberta ao Secretário-geral do PCP na qual manifestava a sua «indignação» pela pintura de murais políticos por parte dos militantes comunistas daquele concelho. Entende Nuno Matias – assim se chama o indivíduo – tratar-se esta de uma forma «menos própria» de «fazer uso do direito constitucional de acção político-partidária», pelo que ameaça com uma exposição à Comissão Nacional de Eleições para que esta se pronuncie sobre a sua «legitimidade formal».

Para além de ridículas preocupações com a «imagem que desejamos passar para quem cá vive e quem nos visita» (que não teve quando os murais foram vandalizados por mais do que uma vez), o senhor está preocupado, sobretudo, com a «liberdade» dos «demais cidadãos» de não serem incomodados por esta forma «agressiva» de propaganda política. O PCP deveria, assim, recorrer a outras maneiras – «mais correctas» – de exercer a liberdade de expressão.

Como solução, o presidente do PSD/Almada sugere ao Secretário-geral do Partido que faça «uso da sua influência» sobre os militantes do concelho para que acabem «com este tipo de acções» e, já agora, que «interceda junto da actual presidente da Câmara, sua camarada», no sentido de, também ela, não mais defender a pintura de murais.

Para além de sugerir, erradamente, que o PCP é como o seu próprio partido e que aqui há chefes que usam a sua influência sobre os restantes militantes, Nuno Matias engana-se ao pretender que os eleitos municipais mudem de opinião quanto a esta forma de exercer a liberdade de expressão. Acontece que os direitos não carecem de licenciamento e tutela, pouco importando, por isso, a opinião que os autarcas têm acerca desta ou daquela forma de os efectivar. Se aguarda pela aprovação de algum «regulamento municipal», à semelhança de outros que há por esse país fora, que procure impor como e onde é permitido exercer o direito de propaganda política, pode muito bem esperar sentado. Almada pagou caro a luta pela liberdade e não abrirá mão dela!

Nuno Matias defende uma cidade de «liberdade e respeito» onde não haja paredes pintadas a incomodar os outros cidadãos. E, certamente, onde estes não sejam importunados por panfletos ou palavras de denúncia das injustiças e de apelo à luta; por greves que lhes cancelem as consultas e suprimam os autocarros; e muito menos por manifestações que cortem as ruas e provoquem intermináveis filas de trânsito.

Nesse local idílico com que sonha, quem ousar danificar a brancura imaculada das paredes, nem que seja para exigir o emprego que falta e a escola que se torna cada vez mais inacessível, deverá ser tratado como um criminoso. E seguramente que não haverá piedade para quem insistir em levar para dentro das empresas a revolta e a insubmissão contra a exploração.

É certamente com um ar de aprovação que o ex-director distrital da campanha interna de Pedro Passos Coelho observa a utilização da polícia para furar piquetes de greve, identificar e intimidar manifestantes, sindicalistas e dirigentes estudantis e proibir o exercício dos mais elementares direitos. Mas desenganem-se todos os nunos matias deste País, sejam eles do PSD, do PS ou de qualquer grupo económico: enquanto persistir a injustiça e a exploração, o povo falará. E com ele falarão as paredes!



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