A sobrevivência do clube popular
Os dirigentes e técnicos que trabalham nos clubes populares são os primeiros a referir a crise devido às constantes dificuldades com que se defrontam na sua acção. Outros referem que o associativismo, tal como o conhecemos, é coisa do passado, condenada a desaparecer por incapacidade de adaptação à sociedade actual.
Os primeiros têm, certamente, toda a razão, e os segundos poderão ter alguma. Alguns destes elementos pertencem a uma corrente de pensamento que defende, ainda que nunca explicitamente, a extinção de todos os clubes que não possam (ou não queiram) sobreviver por si próprios ou integrar-se no processo de mercado de consumo.
O Movimento Associativo encontra-se, assim, numa posição difícil, quer por esta última razão, quer porque, pela sua própria natureza e vocação, não pode sobreviver por si próprio em muitas situações. Podemos, por exemplo, pensar na situação de um clube criado numa aldeia do interior do País com algumas centenas de habitantes. Podemos, ainda, pensar num pequeno clube de bairro popular, de uma grande ou média cidade, super povoada, mas em que os seus habitantes têm baixa capacidade económica e necessitam de resposta a problemas essenciais para o seu bem estar, o preenchimento sadio do seu tempo livre a participação responsável na vida da comunidade.
Nestes, em que a sua sobrevivência é problemática devido às características das populações e da sua acção, como justificar a sua sobrevivência? A resposta a esta questão passa pela definição das funções que o clube desempenha nestas situações.
Quer num, quer noutro caso, mas especialmente no primeiro, o clube popular constitui o único local de expressão e resolução de algumas das necessidades de carácter social e o nível inicial de vida democrática. Além disso é, na grande maioria das situações, o único local de participação dos indivíduos num projecto comum e de relação criativa com a cultura sob qualquer das suas formas. A conclusão é que a presença do clube popular, quer nestas situações que apresentámos com a finalidade de clarificar melhor o que deve ser analisado, quer, de uma forma geral, em relação a muitos outros clubes é o garante do aprofundamento da cidadania local, da democracia e da luta contra a injustiça social, na comunidade local.
Isto é válido para todos os clubes populares. Sabemos que não é aconselhável falar do «clubes» como entidade abstracta e generalizada. Os clubes desportivos populares podem dividir-se em diferentes categorias, uns desempenhando plenamente aquelas funções, outros não.
Quer isto dizer que o desaparecimento de qualquer um daqueles clubes, constituirá uma perda irreparável para a vida social, cultural e desportiva, e um empobrecimento profundo da vida das populações. Mas, precisamente porque desempenham sempre aquelas funções, de uma forma mais ou menos eficaz, é compreensível que sejam atacados por aqueles que não as aceitam de boa mente.
É importante compreender que existem forças sociais que se opõem à existência destes “corpos intermédios” porque são incómodos, reivindicativos e exigindo dinheiros do Orçamento de Estado para o desempenho das suas funções. Em suma, põem em causa a visão dominante da democracia representativa por delegação, procurando estruturar um processo complementar da democracia participativa.
Desta forma é mantido o clima social que possibilita o alargamento constante do espectáculo desportivo, e a utilização do desporto em benefício do capital. O clube desportivo popular desempenha, neste grande movimento, um papel essencial pois não só assume o carácter de instituição reprodutora desta ideologia, como se responsabiliza pela organização e a «alimentação» da própria prática em todos os seus níveis.
A atitude do Estado em relação a esta situação é clara: ou o Movimento Associativo aceita e se adapta a esta perspectiva, ou… está condenado a morrer. Retirando-lhe todo o apoio, defendendo a lógica empresarial liberal e montando uma vasta operação de propaganda, o Estado coloca em cheque o associativismo.
Nisto tudo há uma grande esquecido: a população. No fundo é ela que justifica a acção do clube. Mas a satisfação das suas necessidades, a resposta aos seus interesses, a liquidação das desigualdades e da segregação social, não constituem preocupações para as novas técnicas de gestão empresarial. De facto, o que se pretende é substituir a eficácia social do serviço público, pela eficácia financeira da gestão do clube ao serviço do capital privado. É impedir o desenvolvimento de um processo de intervenção activa do cidadão na vida do clube e, por extensão, da comunidade.
Quer isto dizer que a utilização das modernas tecnologias e métodos de gestão devem ser banidos do funcionamento dos clubes populares? Evidentemente que não! Defender tal posição é condená-lo a não se renovar e a impedir a sua adequação às necessidades do nosso tempo. Mas, umas e outros devem ser colocados ao serviço das populações com a finalidade de promover a revigoração da dinâmica social e a estruturação da nova «cidadania» de que tanto se fala.