A Moral comunista

Jorge Messias

A noção moral da in­ter­venção co­mu­nista é in­dis­so­ciável da sua pró­pria fi­lo­sofia de acção. Os co­mu­nistas in­tervêm nos pro­blemas da co­mu­ni­dade cri­ti­cando, de­nun­ci­ando e pro­pondo al­ter­na­tivas, com co­ragem e sempre fa­lando com um só dis­curso im­preg­nado nos prin­cí­pios do mar­xismo-le­ni­nismo. Dizia K. Marx numa das suas cartas: «É re­pe­lente en­con­trarmo-nos sob um jugo, mesmo em prol da li­ber­dade; é re­pe­lente darem-nos al­fi­ne­tadas, em lugar de se andar à es­pa­dei­rada. Estou farto da hi­po­crisia, da gros­seira ar­bi­tra­ri­e­dade, abor­rece-me ter de me adaptar, de ter que ter em conta o mí­nimo re­paro...». Esta ati­tude de con­servar a li­ber­dade pes­soal mas de res­peitar, si­mul­ta­ne­a­mente, as li­nhas-mes­tras da luta de classes é moral e pro­fun­da­mente co­mu­nista.

A este as­pecto bá­sico que con­juga li­ber­dade, de­ter­mi­nação e dis­ci­plina po­lí­tica, juntam-se muitos ou­tros va­lores que na sua to­ta­li­dade tra­duzem a fi­lo­sofia ética do mar­xismo-le­ni­nismo. Va­lores mo­rais, no sen­tido da práxis, como ho­nes­ti­dade, fron­ta­li­dade, ver­dade e co­ragem. Es­creveu W.I. Le­nine: «A sin­ce­ri­dade em po­lí­tica ou seja, a sin­ce­ri­dade num do­mínio das re­la­ções hu­manas em que já não se trata de in­di­ví­duos mas de mi­lhões de seres hu­manos, sig­ni­fica per­feita cor­res­pon­dência entre as pa­la­vras e os actos».

Em termos de His­tória con­tem­po­rânea, te­remos de re­co­nhecer que se muito se trans­formou na forma como os ele­mentos po­lí­ticos se com­binam, muito pouco se al­terou no fundo das re­la­ções entre as forças em pre­sença. Os ca­pi­ta­listas con­ti­nuam a mentir ci­ni­ca­mente e a ju­rarem em vão. Os co­mu­nistas con­servam in­te­gral­mente o seu pro­jecto final de uma so­ci­e­dade hu­mana – uni­versal e sem classes. São cada vez em maior nú­mero aqueles que tomam cons­ci­ência da gi­gan­tesca tra­paça ca­pi­ta­lista e dos roubos gros­seiros que pra­ticam im­pu­ne­mente e o povo anó­nimo é obri­gado a su­portar na sua pele e no seu magro bolso.

Todo esse povo sabe agora que a sua luta contra as oli­gar­quias ca­pi­ta­listas e re­li­gi­o­sa­mente fa­ná­ticas terá ne­ces­sa­ri­a­mente que en­du­recer.

E sabem ser sua a vi­tória final.

 Os ma­la­ba­ristas da His­tória

Nos re­latos dos meios de co­mu­ni­cação so­cial, o ca­len­dário da His­tória pa­rece des­fo­lhar-se de­vagar. Na ver­dade não é assim. A His­tória ca­minha a uma ve­lo­ci­dade ver­ti­gi­nosa. Os ricos são cada vez mais ricos e os po­bres cada vez mais po­bres. Os mais ricos são re­la­ti­va­mente cada vez menos nu­me­rosos mas muito mais ricos. E os po­bres e os muito po­bres re­pre­sentam in­con­tá­veis mul­ti­dões de es­far­ra­pados. Esta si­tu­ação uni­versal alastra ver­ti­gi­no­sa­mente.

A sú­bita for­tuna gera a so­bran­ceria, o total egoísmo, o exi­bi­ci­o­nismo e a vi­o­lência dos fortes sobre os fracos. A re­dução dos ho­mens à mi­séria conduz ao de­ses­pero, à fome e à vi­o­lência que a grande po­breza ne­ces­sa­ri­a­mente de­sen­ca­deia. Sobre estas re­a­li­dades mais do que nunca ac­tuais, falta fazer-se um mundo de re­ve­la­ções. Re­fira-se sim­ples­mente uma delas, de forma su­per­fi­cial, tal como ine­vi­ta­vel­mente ques­tões tão pro­fundas terão de ser abor­dadas num re­du­zido es­paço. Aliás, re­to­ma­remos este tema logo que pos­sível: en­ri­que­ci­mento pre­ma­turo, in­ter­venção da dou­trina, com­bate à po­breza e alas­tra­mento mun­dial da mi­séria. Eis o caso de que hoje se trata.

Os «Le­gi­o­ná­rios de Cristo» são con­si­de­rados no mundo ca­tó­lico como ponta de lança dos grupos ecle­siás­ticos mais con­ser­va­dores. Fun­dada há 60 anos e ins­crita na linha do Opus Dei, a Ordem dos LC di­rige ac­tu­al­mente, em vá­rios países do mundo, 15 grandes uni­ver­si­dade e ou­tras 48 de di­men­sões me­nores. As uni­ver­si­dades mais im­por­tantes formam po­li­ti­ca­mente os sa­cer­dotes que de­pois in­gressam nos ní­veis di­ri­gentes da «so­ci­e­dade civil», no alto clero e nas es­tru­turas do Es­tado ca­pi­ta­lista. Os ou­tros co­lé­gios, quase todos si­tu­ados no Mé­xico, são fre­quen­tados por classes po­pu­lares. Tal como o Opus Dei, os «le­gi­o­ná­rios» aceitam, em cursos e pro­gramas di­fe­rentes, ho­mens e mu­lheres como alunos. E, tal como o Opus Dei, ve­neram a fi­gura do «fun­dador»: o padre Ma­ciel tem para os LC a mesma aura de san­ti­dade que Es­crivá de Bal­la­guer detém no OD.

A Ordem foi fun­dada pelo padre Ma­ciel há 60 anos. Foi fun­dada du­rante a crise de 60 como arma de com­bate às ideias da Te­o­logia da Li­ber­tação e no âm­bito da con­tenção do co­mu­nismo. Diz com­bater a po­breza, mas dos seus bens ac­tu­al­mente co­nhe­cidos re­fere-se 63 uni­ver­si­dades, 177 co­lé­gios e cen­tenas de hec­tares de flo­resta virgem no Ama­zonas. Dispõe de um corpo do­cente de 3450 sa­cer­dotes que dão en­sino, anu­al­mente, a 133 mil alunos. O seu braço laico prin­cipal é o «Reino de Cristo», com 75 mil mem­bros or­ga­ni­zados em cé­lulas.

Du­rante a «guerra fria» (fal­sa­mente dada agora como en­cer­rada) a LC fez-se notar pelo in­con­di­ci­onal apoio que re­cebeu de Franco e de todos os di­ta­dores que com­ba­tiam as cres­centes ideias co­mu­nistas entre os fiéis ca­tó­licos. «São ponta de lança da Igreja mais con­ser­va­dora. Não per­mitem con­ces­sões nem perdem tempo... É pe­cado!», afirma-se num in­te­res­sante ar­tigo pu­bli­cado no El País (cu­ri­o­sa­mente, também ele li­gado à Igreja es­pa­nhola).

Eis um tema de in­te­resse para as nossas re­fle­xões fu­turas.



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