Modest Mussorgsky (1839-1881)

Mo­dest Mus­sorgsky viu desde muito cedo seu pai, um pro­pri­e­tário rural, ori­entar a sua for­mação tendo em vista uma car­reira mi­litar. Aos 13 anos en­trou para a Es­cola de Ca­detes de S. Pe­ters­burgo. No en­tanto, a sua mãe, uma ta­len­tosa pi­a­nista, ti­vera a pre­o­cu­pação de o fa­mi­li­a­rizar com a arte dos sons, en­si­nando-o a tocar piano. Por outro lado, na sua ac­ti­vi­dade mi­litar teve a sorte de en­trar para a Guarda Pre­o­brazhensky, um dos mais aris­to­crá­ticos re­gi­mentos do exér­cito russo. Aí en­con­trou jo­vens ofi­ciais que eram grandes amantes de mú­sica, entre os quais Bo­ro­dine, o mé­dico mi­litar do re­gi­mento, que se viria a tornar, também ele, um dos prin­ci­pais com­po­si­tores russos e nos legou pi­to­rescos re­latos sobre a atracção exer­cida pelo jovem ofi­cial pi­a­nista no seio da aris­to­cracia mi­litar, se­du­zindo as don­zelas que por lá pu­lu­lavam.

Foi por in­ter­médio de um ca­ma­rada de armas que co­nheceu A. Dar­gomyzhsky. Um en­contro que teve de­ci­siva im­por­tância, uma vez que foi este que lhe deu a co­nhecer a obra de Glinka, pai da mú­sica russa, des­per­tando na sua alma uma rus­so­filia que irá marcar o seu rumo e es­tará bem pa­tente na sua maior cri­ação, a ópera Boris Go­dunov. Também foi Dar­gomyzhsky que o apre­sentou a Ba­la­kirev que passou a ser seu pro­fessor. Ao in­ten­si­ficar os seus es­tudos de com­po­sição re­solveu aban­donar a vida mi­litar.

A cir­cuns­tância de o pai ser um pro­pri­e­tário de terras fez com que Mus­sorgsky ti­vesse sido criado em ín­timo con­vívio com os cam­po­neses, sendo que ele era também des­cen­dente de cam­po­neses. Isso con­correu para des­po­letar o sen­ti­mento na­ci­o­na­lista que o con­duziu a uma po­sição crí­tica re­la­ti­va­mente ao pre­do­mínio da ópera ita­liana e da mú­sica alemã no meio ar­tís­tico da sua amada Rússia. Para con­tra­riar essa in­fluência ex­terna e com o ob­jec­tivo cen­tral de criar uma au­tên­tica es­cola russa, de­fen­sora do pa­tri­mónio mu­sical da sua pá­tria, surgiu em 1863 o Grupo dos Cinco, cons­ti­tuído por Ba­la­kirev, Bo­ro­dine, Cui, Rimsky-Kor­sakov e o pró­prio Mus­sorgsky. Mo­vi­mento edi­fi­cador de uma ver­da­deira es­cola na­ci­onal da mú­sica russa.

 

Qua­dros de uma Ex­po­sição 

A Grande Porta de Kiev

 

Nem sempre o tí­tulo de uma obra traduz tão cla­ra­mente o seu con­teúdo como este o faz. Em 1873 a morte levou um di­lecto amigo de Mus­sorgsky: o pintor-ar­qui­tecto Victor Hart­mann. Pos­suíam ambos um es­pí­rito re­vo­lu­ci­o­nário. E quando to­lhido pelo des­gosto da perda Mus­sorgsky vi­sitou uma ex­po­sição de ho­me­nagem à me­mória do fa­le­cido ar­tista amigo, sentiu-se ins­pi­rado para es­crever uma obra que fosse a in­ter­pre­tação so­nora de al­guns dos qua­dros ex­postos. Es­co­lheu dez. Os que mais o sen­si­bi­li­zaram. E compôs então uma suite para piano em que nos lega a tra­dução mu­sical de cada pin­tura. Mais ainda: a obra é cons­truída como se es­ti­vés­semos a vi­sitar a ex­po­sição, sendo até re­pre­sen­tado o andar do vi­si­tante que de­pois para di­ante dos qua­dros e lê-os, in­ter­preta-os, mu­si­cal­mente. A Grande Porta… é o úl­timo quadro da ex­po­sição. O es­quiço de uma obra ar­qui­tec­tó­nica des­ti­nada a co­me­morar o facto de o Czar Ale­xandre II ter so­bre­vi­vido a um aten­tado. A porta nunca chegou a ser cons­truída, mas fora con­ce­bida de acordo com velho es­tilo ar­qui­tec­tó­nico russo: obra mo­nu­mental, mas­siva. A mú­sica, no es­tilo de um grande hino, trans­mite-nos toda essa gran­deza ma­jes­tá­tica. Tenha-se em atenção os grandes sinos num em­pol­gante cres­cendo. É uma pá­gina de grande efeito que faz re­cordar a grande Cena da Co­ro­ação na ópera Boris Go­dunov.

A par­ti­tura, para piano solo, só veio a ser pu­bli­cada em 1886, e algo es­tra­nha­mente, talvez pelas di­fi­cul­dades in­ter­pre­ta­tivas que acar­reta, não se­duziu de ime­diato os pi­a­nistas, que ra­ra­mente a exe­cu­tavam. Mas se­duziu Mau­rice Ravel. A tal ponto que o com­po­sitor francês de­cidiu criar, a pe­dido do ma­estro Serge Kous­se­vitzky, uma versão or­ques­tral da obra em 1923, feita e que con­tri­buiu de­ci­si­va­mente para tornar a obra co­nhe­cida, no­me­a­da­mente fa­zendo com que os pi­a­nistas a in­te­grassem no re­por­tório. Por essa razão, muitos su­põem que a obra foi ori­gi­nal­mente com­posta para or­questra. O tra­balho de Ravel é mag­ní­fico. Uma or­ques­tração so­berba. Mas não dis­pensa a au­dição da versão ori­ginal que, podem crer, não é menos em­pol­gante. Exige no en­tanto a pre­sença de um pi­a­nista de pri­meira gran­deza, com mãos como as de Ho­rowitz.



Mais artigos de: Festa do Avante!

«Carvalhesa» – 25 anos

«Em todos os tempos, grandes compositores reconheceram a riqueza da verdadeira música popular, as suas virtudes por assim dizer tonificantes e a incorporaram, já directamente, já por processos de transposição e decantamento, nas suas geniais...

Luís de Freitas-Branco (1890 -1955)

Luís de Freitas-Branco está para a música portuguesa como Fernando Pessoa ou Sá Carneiro estão para a nossa literatura, sendo hoje consensualmente reconhecido como a principal figura no panorama musical português do século XX. É ele o introdutor do modernismo. Os...

Rimsky-Korsakov (1844-1908)

Nikolay Andreyevich Rimsky-Korsakov parecia vocacionado para a carreira de oficial da marinha russa, tendo recebido formação nesse sentido. À música ligava-o tão só um fascínio palas orquestras que escutava nos teatros de ópera e o gosto pelas...

George Gershwin (1898-1937)

George Gershwin, embora tivesse sido essencialmente um autodidacta, tal não impediu que se tivesse tornado, com toda a propriedade, um dos principais compositores norte-americanos, reconhecido pela musicologia internacional. Nascido em Brooklyn, Gershwin começou por ser um excelente pianista com forte...

Ralph Vaughan Williams (1872-1958)

Ralph Vaughan Williams é um dos mais destacados compositores ingleses do século XX. Depois de ter efectuado a sua formação em Inglaterra, nomeadamente na Univ. de Cambridge, recebeu lições de Bruch em Berlim (1897) e de Ravel em Paris (1908). Uma experiência...

Manuel de Falla (1876-1946)

Manuel de Falla foi, conjuntamente com Albéniz e Granados, um dos primeiros compositores espanhóis a adquirir notoriedade internacional. Para isso foi determinante a sua ida para Paris no ano de 1907 onde passou a conviver com algumas das figuras cimeiras do mundo musical e até artístico em...

Aaron Copland (1900-1990)

Aaron Copland começou por estudar com Goldmark em Nova Iorque, mas depois esteve um longo período em Paris, trabalhando com a grande N.Boulanger que lhe deu a conhecer a música de Stravinsky, causando-lhe profundo efeito. Mas ao regressar aos EUA, seu país natal, Copland vai assumir a sua...

Johannes Brahms (1833-1897)

Johannes Brahms, compositor alemão, foi autor de alguns cumes estéticos da história da arte musical, como o 2º Concerto para Piano e Orquestra ou a 4ª Sinfonia. Em pleno Romantismo, Brahms perfilou-se como fiel representante da grande tradição Clássica criada por...

Igor Stravinsky (1882-1971)

Igor Stravinsky, nascido na Rússia filho de um dos mais destacados cantores da companhia de ópera do Teatro Mariinsky (S.Petersburgo), cresceu num ambiente em que a música sempre teve forte presença. Estudou com Rimsky-Korsakov que muito influenciou a sua primeira fase criativa. A sua...

António Vitorino de Almeida (1940 -)

António Vitorino de Almeida, o “Maestro”, assim lhe chama o povo. Forma de tratamento que mistura a respeitabilidade com o olhar ternurento. No entanto, reger orquestras sinfónicas foi coisa que raramente fez e para a qual nunca teve especial vocação. Tem sido fundamentalmente...

Orquestra Sinfonietta de Lisboa

Fundada em 1995, a Sinfonietta de Lisboa tem como base 29 instrumentistas de corda, podendo integrar sopros ou outros instrumentos de acordo com as exigências dos programas a executar. A sua direcção está a cargo de Vasco Pearce de Azevedo (Maestro Titular) e António Lourenço...