Lutar contra ultimatos
Depois da aprovação do Tratado de Lisboa, aproveitando o pretexto da crise, o directório da União Europeia, sob o comando da Alemanha, prossegue a sua cavalgada para intensificar a integração capitalista da União Europeia, procurando impor junto dos países com maiores debilidades económicas e políticas, como é o caso de Portugal, um autêntico ultimato que visa a capitulação do País perante as potências da UE.
Em nome da defesa do euro, querem governar o País, seja através do controlo prévio do projecto de orçamento do Estado, transformando os deputados eleitos pelo povo português em marionetas manipuladas por Bruxelas ou Berlim, seja com a ameaça do corte dos fundos comunitários, se não se cumprirem os critérios irracionais do Pacto de Estabilidade.
Para além do mais vivo protesto que estas propostas devem merecer de todos os patriotas e democratas, e do assinalar das contradições entre o que prometiam antes do Tratado de Lisboa e o que fazem agora na sua aplicação prática, importa não esquecer que, independentemente das responsabilidades dos governos nacionais e da aceitação passiva por parte do PS, PSD e CDS destas imposições inadmissíveis da UE, há realidades objectivas que não podem ser escamoteadas e que resultam das grandes diferenças das estruturas produtivas de países como, por exemplo, a Alemanha e a França, por um lado, e Portugal e a Grécia, por outro.
É preciso ter em conta que, a partir da adesão ao euro, perderam-se instrumentos fundamentais para a defesa da produção, ficando Portugal sem possibilidade de utilizar as suas próprias políticas monetárias, o que teve graves consequências na destruição de sectores industriais, na agricultura e nas pescas, tornando o País mais dependente e agravando o saldo da dívida, enquanto a Alemanha aumentava as suas exportações e desenvolvia a produção.
Basta olhar para o rendimento per capita, em paridades de poder de compra, numa base 100 da UE27, para perceber a diferença entre o nível de vida na Alemanha, Grécia, Portugal, Espanha e França. Tomando por base 2008 (últimos dados do Eurostat), na Alemanha era de 115,6%; em Portugal era apenas de 76%, enquanto na Grécia atingia 94,3%, em Espanha 102,6% e na França 107,9%.
Ora, estas médias comparativas tornam clara a diferença das condições de vida e de riqueza produzida dos países da zona euro, demonstram como não funcionou a coesão económica e social e como o País não beneficiou nada com a adesão ao euro, dado que, em 2000, o rendimento per capita português era de 78%. Obrigar, agora, a aplicar políticas de austeridade a quem está tão longe da média europeia, só pode significar condenar Portugal à pobreza e impedir o seu desenvolvimento, mesmo escamoteando que as desigualdades relativamente à distribuição dos rendimentos em Portugal são as mais graves da zona euro.
Como denunciámos quando a chamada crise financeira se desencadeou, as suas consequências iam ser desastrosas para os países de economias mais frágeis se não se tomassem de imediato medidas de controlo do sector financeiro e se reforçassem os mecanismos orçamentais de coesão e solidariedade.
Como se sabe, não o fizeram. Não proibiram os títulos especulativos, não acabaram com os paraísos fiscais, não aplicaram impostos às transacções financeiras em bolsa nem aumentaram os impostos sobre os lucros da banca. Em nome da liberdade dos capitais, deixaram que o sector financeiro continuasse a ditar as regras do poder económico, social e político e ainda lhes deram milhares de milhões de euros.
Depois, começou a surgir o que era previsível. A especulação com a dívida dos países de maior fragilidade financeira. E a Grécia foi o primeiro exemplo para aplicar as conhecidas receitas do FMI e da UE27: os cortes nos investimentos e sectores públicos, o aumento dos impostos nos salários e o seu autêntico roubo legalizado. Seguiram-se outros países mais frágeis. Mas nem assim o próprio euro escapou. E agora lá aparece novamente a Alemanha a anunciar algumas medidas pontuais que há meses recusou, certamente porque alguns grandes interesses económicos alemães se começam a preocupar com a desvalorização do euro e, sobretudo, porque se agravam as contradições dentro do próprio sistema capitalista. Como sabemos, nesta fase imperial do capitalismo, começam a ser cada vez mais claras as disputas entre o controlo das moedas fortes e o seu valor simbólico no controlo do acesso aos mercados de matérias-primas e a defesa dos negócios internacionais em torno da especulação financeira e do comércio internacional.
Por isso, as lutas dos trabalhadores e dos povos são determinantes para travar esta ofensiva e evitar o caos que o capitalismo tenderá a provocar. Daí que a jornada de luta do próximo dia 29 de Maio seja da maior importância, não só nacional, exigindo o respeito pelos direitos conquistados consagrados na Constituição de Abril, mas também internacional, no combate a estas políticas de exploração capitalista e autêntica capitulação perante o poder organizado dos grupos económicos e financeiros que a União Europeia representa.