Tanta coragem, tanta!
«Deixe-me levar o meu pensamento até ao fim», ordenou, cerca de duas dezenas de vezes o, digamos assim, entrevistado – e falou, falou, falou, mostrando ter um pensamento longo, longo, longo, sem fim.
Disse o que quis e estava previsto dizer, num longo e monótono monólogo – tanto mais monótono e mais monólogo quanto os, digamos assim, entrevistadores, quase se limitaram a atirar-lhe cerca de duas dezenas de apartes que o estimularam outras tantas vezes a ordenar «deixe-me levar o meu pensamento até ao fim»...
Falou, falou, falou. Contou estórias, muitas. Louvou e louvou a sua (dele) coragem. Louvou e louvou a sua (dele) sábia governação: vejam o que eu fiz deste país, «crise»?: nem pensem, crise grave, «gravíssima», é a que vivem «países como a Irlanda».
Foi grosseiro, insolente e ameaçador para o par que tinha à sua frente. Garantiu que «o mundo mudou em duas semanas» - e, mais adiante voltou a garantir que «o mundo mudou em três semanas» - e dissertou sobre «o momento da verdade»: quando se descobriu que - horror! - «o euro estava a ser vítima de um ataque sistémico»: momento arrepiante!, mas ao qual o super-herói que é ele, num rasgo de fé patriótica e europeia, e com a sua (dele) sempre presente coragem, decidiu enfrentar o ataque e «defender o euro e a Europa», ou seja, decidiu obedecer fielmente às ordens da «Europa», ou seja, decidiu aumentar os impostos, diminuir o diminuto poder de compra da imensa maioria dos portugueses, assim exibindo sua (dele) proverbial coragem concreta num concreto acto de coragem.
Enfim, monologou que se fartou: «por favor, deixem-me dar as boas notícias aos portugueses». E deu.
Os portugueses que o ouviram, ficaram a saber que vivem num país de sonho, um verdadeiro oásis comparativamente com... «lá fora».
E ficaram a saber, também, que este sonho veio para ficar: os aumentos dos impostos, o roubo nos salários, o desemprego a crescer, o subsídio de desemprego a diminuir, a precariedade a generalizar-se, o preço dos bens necessários (e absolutamente necessários) a subir... – todas essas benesses vão prosseguir para além, muito para além, de 2011.
Tanta coragem, tanta!