José Ernesto Cartaxo

Uma luta que continua

«A este dia estão in­ti­ma­mente li­gadas muitas das mai­ores e mais exal­tantes jor­nadas e mo­vi­men­ta­ções de luta da classe ope­rária, que, com so­fri­mento, co­ragem e de­ter­mi­nação, de­mons­trou cla­ra­mente de quanto é capaz a von­tade co­lec­tiva dos tra­ba­lha­dores para me­lhorar as suas con­di­ções de vida e de tra­balho, vencer in­jus­tiças e de­si­gual­dades so­ciais, mudar men­ta­li­dades, trans­formar as so­ci­e­dades e pôr fim à ex­plo­ração do homem pelo homem.»

 

As ori­gens


«Pesem em­bora al­gumas de­tur­pa­ções e des­vir­tu­a­mentos pro­du­zidos pelo ar­senal ide­o­ló­gico do ca­pital, é ge­ne­ra­li­za­da­mente re­co­nhe­cido que as ori­gens do 1.º de Maio estão as­so­ci­adas aos trá­gicos acon­te­ci­mentos que ocor­reram em 1 de Maio de 1886, na ci­dade norte-ame­ri­cana de Chi­cago.

To­davia, para se ter uma visão di­a­léc­tica do seu sig­ni­fi­cado his­tó­rico, im­porta as­si­nalar que, na sequência da Re­vo­lução In­dus­trial, ve­ri­fi­cada nos fi­nais do sé­culo XVIII, o ope­ra­riado era ob­jecto de uma in­ten­sís­sima e de­su­mana ex­plo­ração, que se tra­duzia em imensas pri­va­ções e bru­ta­li­dades, sendo for­çado a tra­ba­lhar 12, 14, 16 e mais horas por dia, na in­dús­tria e no co­mércio e, de sol a sol, na agri­cul­tura.

A ex­plo­ração des­me­dida, sem qual­quer tipo de es­crú­pulos, do tra­balho in­fantil e do tra­balho fe­mi­nino era uma fonte su­ple­mentar de lucro para o em­pre­sário ca­pi­ta­lista.

Pas­sada a re­volta ini­cial contra as má­quinas, por con­si­de­rarem serem elas as cau­sa­doras dos seus so­fri­mentos, a classe ope­rária, nas­cente, e os tra­ba­lha­dores, em geral, en­con­tram nas ideias con­tidas no Ma­ni­festo Co­mu­nista de Marx e En­gels, pu­bli­cado em 1848, as res­postas sobre as ver­da­deiras causas que estão na origem de tão de­su­mana e feroz ex­plo­ração e sobre os ca­mi­nhos a tri­lhar. (...)

Ani­mado e es­ti­mu­lado por estas ideias, o ope­ra­riado em­pre­ende lutas cons­tantes cen­tradas na re­dução da jor­nada de tra­balho, por me­lhores sa­lá­rios e contra a ex­plo­ração (...).

«Em 1866, o Con­gresso de Ge­nebra da I In­ter­na­ci­onal es­ta­be­lece como ob­jec­tivo a li­mi­tação da jor­nada de tra­balho em 8 horas como “con­dição in­dis­pen­sável ao êxito de qual­quer outro es­forço eman­ci­pador” e adopta, como di­visão ra­ci­onal do tempo diário de tra­balho, 8 horas de tra­balho, 8 horas de des­canso e 8 horas para a cul­tura e a edu­cação, que se con­verte em exi­gência ini­lu­dível para a pro­tecção do tra­ba­lhador como ser hu­mano.»

(...)

 

Em Por­tugal

 

«Desde o pri­meiro ano das co­me­mo­ra­ções do 1.º de Maio, em 1890, até aos dias de hoje, pas­sando pela mo­nar­quia, pela 1.ª Re­pú­blica e du­rante a di­ta­dura fas­cista, o ope­ra­riado por­tu­guês sempre co­me­morou ac­ti­va­mente o Dia In­ter­na­ci­onal do Tra­ba­lhador, em uni­dade e luta e com so­li­da­ri­e­dade in­ter­na­ci­o­na­lista, re­cla­mando junto do pa­tro­nato e das au­to­ri­dades por­tu­guesas o es­ta­be­le­ci­mento das 8 horas de tra­balho diário e a me­lhoria das suas con­di­ções de vida e de tra­balho.

Neste per­curso his­tó­rico, os ecos da Re­vo­lução de Ou­tubro de 1917, na Rússia, chegam a Por­tugal e sus­citam um grande en­tu­si­asmo nos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses.

Em 1919, após um 1.º de Maio gran­dioso, é con­quis­tada e con­sa­grada, em Lei, a jor­nada das 8 horas diá­rias e 6 dias de tra­balho por se­mana, ainda que só para os tra­ba­lha­dores da in­dús­tria e do co­mércio.

A 6 de Março de 1921, forma-se o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês e a classe ope­rária inicia a cons­trução da sua van­guarda re­vo­lu­ci­o­nária.»

Na di­ta­dura fas­cista - que su­primiu as li­ber­dades fun­da­men­tais, fas­cizou os sin­di­catos e oprimiu o nosso povo du­rante 48 anos – o re­gime, desde cedo, pro­curou im­pedir as co­me­mo­ra­ções do 1.º de Maio. Em vão, porque, de acordo com a si­tu­ação con­creta em cada mo­mento, o pro­le­ta­riado por­tu­guês, sob a ori­en­tação do PCP, soube sempre en­con­trar as formas mais apro­pri­adas à sua co­me­mo­ração, não obs­tante a re­pressão de que era alvo.

As lutas do 1.º de Maio de 1962, nas quais se em­pe­nham mais de 150 mil tra­ba­lha­dores agrí­colas do Sul, do Ri­ba­tejo e do Alen­tejo, acabam por impor o re­co­nhe­ci­mento das 8 horas de tra­balho diário, pondo termo ao feudal sol a sol.

As­si­nalam-se, ainda, im­por­tantes ma­ni­fes­ta­ções nos 1.º de Maio que se se­guiram até 1973 e que, em ar­ti­cu­lação com as inú­meras lutas que se tra­vavam ao nível das em­presas e dos lo­cais de tra­balho e na frente sin­dical, for­jaram as con­di­ções que vi­riam a tornar pos­sível a vi­to­riosa ma­dru­gada li­ber­ta­dora do 25 de Abril, de­sen­ca­deada pelo glo­rioso Mo­vi­mento das Forças Ar­madas.

Apenas 6 dias após a manhã da li­ber­dade, o povo por­tu­guês co­me­morou o mais es­pan­toso 1.º de Maio, or­ga­ni­zado pela In­ter­sin­dical, criada em 1970. Era a ale­gria in­con­tida de um povo que en­ter­rava 48 anos de terror, de mi­séria, de obs­cu­ran­tismo. Era a con­sa­gração po­pular do 25 de Abril.

Pela pri­meira vez, dando sa­tis­fação a uma rei­vin­di­cação da In­ter­sin­dical, o 1.º de Maio era con­sa­grado fe­riado na­ci­onal.

A ar­ran­cada do 1.º de Maio de 1974 vai dar início a uma série de con­quistas que cor­res­pondem a pre­mentes rei­vin­di­ca­ções e an­seios das classes tra­ba­lha­doras e das massas po­pu­lares.» (...)

 

A ac­tu­a­li­dade

 

«O ca­pital não dorme nem de­sarma. A partir de 1976, com as po­lí­ticas de di­reita se­guidas pelos su­ces­sivos go­vernos, a contra-re­vo­lução de­sen­ca­deia-se e de novo se abatem sobre os tra­ba­lha­dores a ex­plo­ração, a re­pressão e a ten­ta­tiva de des­truição das con­quistas al­can­çadas.

A prová-lo está a ofen­siva ne­o­li­beral em curso, de que é exemplo a pos­tura do Go­verno PS/​Só­crates, que, ao rever para pior o já ne­ga­tivo Có­digo do Tra­balho do PSD/​CDS, deu alento à ofen­siva pa­tronal, no sen­tido de o des­re­gular e de impor como jor­nada de tra­balho “normal” as 10, 12 ou mesmo 14 horas por dia, sem o pa­ga­mento de qual­quer com­pen­sação pelo tra­balho ex­tra­or­di­nário, o que cons­titui um re­gresso ao Sé­culo XIX e às con­di­ções de tra­balho que es­ti­veram na origem do 1.º de Maio e da sua in­ter­na­ci­o­na­li­zação.

É em honra da me­mória dos “már­tires de Chi­cago” e da luta de ge­ra­ções e ge­ra­ções de re­vo­lu­ci­o­ná­rios, muitos deles com o sa­cri­fício da pró­pria vida, e contra a ex­plo­ração ca­pi­ta­lista, que temos o dever e a obri­gação de tudo fazer para que se de­sen­volva e in­ten­si­fique a luta de massas por uma rup­tura com as po­lí­ticas de di­reita e para que as co­me­mo­ra­ções do 1.º de Maio, cons­ti­tuam uma im­po­nente jor­nada in­ter­na­ci­o­na­lista de uni­dade e luta por uma so­ci­e­dade mais justa, fra­terna e so­li­dária, sem ex­plo­ra­dores nem ex­plo­rados.»



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