Conversa fiada

Anabela Fino
O presidente executivo da Galp Energia, Ferreira de Oliveira, acusa os trabalhadores de estarem a «sacrificar» os resultados da empresa para 2010. Motivo: o pré-aviso de greve às horas extraordinárias nos próximos dias 17 e 18 e de greve total de 19 a 22 de Abril, em luta pela a actualização salarial e pela atribuição do Prémio de Produtividade. A acusação consta de uma missiva aos «estimados colegas e colaboradores», enviada por email, onde Ferreira de Oliveira considera que os «objectivos da greve não são nem justos nem possíveis de satisfazer», e esgrime o aumento de 1,5% decidido sem o acordo dos sindicatos como um «aumento relevante do poder de compra». Justificando a sua posição, o presidente executivo da Galp Energia fala do «contexto exógeno extremamente difícil» em que a empresa laborou em 2009, especificando que «os mercados ibéricos de produtos petrolíferos e gás natural caíram cerca de 10%; o preço médio do crude caiu 37%; as margens de refinação foram inferiores às do ano anterior em mais de 60%; o preço do gás natural nos mercados spot mais do que 50%». Conclusão, «todos» têm de fazer sacrifícios. O que Ferreira de Oliveira não diz aos «estimados colegas e colaboradores» – terá sido por esquecimento? – é que no mesmo ano – o ano de todas as crises, como governantes, patrões, dirigentes partidários «com vocação de poder» e comentadores mais ou menos encartados não se cansam de repetir aos trabalhadores portugueses – a Galp Energia apresentou lucros de 213 milhões de euros (213 000 000€). Também certamente por esquecimento, Ferreira de Oliveira omite que em 2009 os administradores da Comissão Executiva da Galp Energia receberam, entre remunerações mensais – que oscilam entre 25 000 e 76 400€ –, remunerações variáveis e um vasto leque de mordomias pouco consentâneas com a «grave crise», a módica quantia de mais de 6,2 milhões de euros (6 200 000€). E não fala igualmente – sem dúvida para não fazer enjoar os «estimados colegas e colaboradores» – do seu próprio vencimento, o qual, a fazer fé em notícias vindas a público, dá para grandes canseiras, como fazer mil viagens às Maldivas. Ou seja, traduzindo por miúdos, apesar da «crise económica em que vivemos», a Galp Energia apresentou lucros de milhões e continuou a pagar principescamente aos seus administradores, mas quando os «estimados colegas e colaboradores», vulgo trabalhadores, reivindicam uma mais justa redistribuição da riqueza que criaram, aqui d'el rei que se está a comprometer o futuro da empresa e das gerações vindouras. Instalados nos seus belos cadeirões de couro, os senhores administradores querem fazer acreditar que sem eles o mundo deixaria de girar e que nem um cêntimo de mais valia seria gerado. Prosápia enganadora. Mal ouvem falar de greve é um quem nos acode e um vale tudo, até cartas aos «estimados colegas e colaboradores» com apelos à solidariedade. Só não chega a ser ridículo porque revela uma profunda verdade: sem os trabalhadores não há riqueza. Os que se apropriam dos lucros sabem-no bem, por isso têm tanto medo da luta de classes.


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