Comentário

Propaganda e realidade

Realiza-se esta semana, a 25 e 26 de Março, mais um Conselho Europeu, o chamado Conselho da Primavera. Com os graves problemas sociais que se vivem em diversos estados-membros da União Europeia, com destaque para o desemprego, o trabalho precário e a pobreza, veremos que as respostas irão sobretudo para a chamada sustentabilidade das finanças públicas, esquecendo a necessidade de medidas para a sustentabilidade social.
Em geral, o que preocupa os comentadores políticos é saber se vai ou não surgir uma resposta para apoiar a Grécia, designadamente através de um empréstimo que evite o recurso ao FMI. É verdade que esta é uma questão importante, sobretudo por contradizer tudo quanto propagandearam sobre as virtudes do euro e as benesses resultantes de pertencer à zona euro, de se estar no tal «pelotão da frente» de uma moeda forte dos países ricos, insinuando que isso também nos tornaria ricos, a nós, portugueses. Pertencer à zona euro, diziam-nos, era um seguro contra as crises financeiras, evitando o recurso aos empréstimos e às receitas do FMI.
Afinal, bastou a primeira crise a sério para demonstrar que não existe solidariedade na zona euro e que a chamada «coesão económica e social» não passa de uma expressão de mera propaganda em campanhas eleitorais para o Parlamento Europeu. Agora, a senhora Merkel até já ameaça com expulsões da zona euro àqueles que, tal como a Grécia e outros, não cumpram o Pacto de Estabilidade, esquecendo que a Alemanha foi e é a grande beneficiária da política de um euro forte, por ser o Estado com a economia mais desenvolvida e com maior volume de exportações.
Todos os estudos existentes demonstram que a Alemanha foi o país que mais ganhou com a criação do euro e Portugal um dos que mais perdeu. O que, aliás, é fácil de verificar quando se olha para o agravamento das nossas dependências e o correspondente aumento das dívidas, designadamente pública e externa, resultantes da destruição de parte substancial da produção (industrial, agrícola e das próprias pescas), que não suportou o impacto da política cambial do euro forte a que juntaram a liberalização do comércio internacional e a chamada livre concorrência. Ora, as teorias económicas avisam que, quando se integram economias com diferentes graus de desenvolvimento, a mais desenvolvida tende a sobrepor-se à mais atrasada. E foi o que aconteceu.
Diziam-nos que havia fundos comunitários para apoiar o desenvolvimento de Portugal e evitar que o «peixe grande» comesse o «peixe pequeno». Mas esses fundos não só foram muito insuficientes, como foram mal aproveitados e, neste momento, correm o risco de nem sequer serem utilizados se não alterarem as regras que obrigam a uma parte de cofinanciamento português. O que tende a agravar as divergências, as assimetrias e as desigualdades sociais, não só entre as diversas camadas e classes sociais mas também entre os estados, pois quem tem dinheiro próprio utilizará os fundos até ao fim (Alemanha, França, etc.) e quem não tem não o poderá fazer, sejam estados ou micro e pequenas empresas, por não terem a parte obrigatória para o cofinanciamento de 25%, 30% ou 50%...

Medidas essenciais

Por isso, há três grupos de medidas essenciais que o Conselho Europeu deveria tomar:
- Revogar o Pacto de Estabilidade e substituí-lo por um Pacto de Progresso e Desenvolvimento Social, pondo fim aos seus critérios estúpidos, designadamente os tectos do défice de 3% dos Orçamentos do Estado, e estabelecer como prioridade a criação dos cerca de cinco milhões de empregos perdidos no último ano;
- Dar conteúdo ao Ano Europeu de Luta contra a Pobreza, com medidas de solidariedade social, designadamente através do reforço do orçamento comunitário por parte dos países mais ricos (passar de 1% para 2% do PIB comunitário) para diminuir urgentemente a pobreza na União Europeia em pelo menos cerca de 20 milhões de pessoas, com prioridade às crianças e idosos. Registe-se que, em Portugal, cerca de 23% das crianças e jovens com menos de 18 anos estão em situação de pobreza.
- Acelerar o envio para os países em dificuldades, incluindo Portugal, dos fundos comunitários aprovados no âmbito do actual quadro financeiro e alteração dos critérios de cofinanciamento, admitindo o financiamento de projectos de investimento públicos e privados a 100% pelos fundos comunitários, visando o apoio à produção e a criação de emprego com direitos.


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