Confissões da Pastoral Social (1)

Jorge Messias
Em Setembro de 1985 decorreu em Fátima a «III Semana Nacional da Pastoral Social». Já lá vão, desde então, 18 anos que deveriam ter sido de mudanças democráticas no panorama político e social do país e da igreja. Mas não. Revelam-se agora projectos ocultos que vêm de longe. As horas difíceis que vivemos apenas concretizam ameaças de há muito previstas. Por isso, interessa agora ter em atenção os discursos que nessa altura se produziam. São declarações importantes, sobretudo as que foram proferidas na área que nos interessa aqui esclarecer e em que integram os textos dos responsáveis católicos de maior destaque. Nesse contexto, reconheça-se que se há lição pedagógica de grande mérito em que nos devamos concentrar, ela ficou-se a dever às dissertações do Padre Vítor Feytor Pinto, figura eclesiástica de proa e teórico de uma Acção Social ligada às teses conservadoras da igreja portuguesa. Ouçamo-lo, primeiro, na definição dos conceitos, dos objectivos, dos conteúdos e dos meios da intervenção social e caritativa católica, nos quadros da Doutrina da Igreja (Pastoral Social, agentes e meios, Colecção Cáritas, N.º 10, 1985).
«Gostaria de convidar todos a assumir o risco de quem experimenta e de quem erra, para acertar sempre melhor nos processos e métodos da acção... Caminhante! Não há caminhos, os caminhos fazem-se a andar» - começou por afirmar o p. Feytor Pinto.
A substância do tema a abordar foi recordada em seguida. Tratava-se de planear uma campanha social de elevada complexidade. Então, FP privilegiou a formulação ideológica do método: «A descoberta do método faz-se por comparação com a experiência de Cristo, na sua acção conhecida através do Evangelho. Mas, para consegui-lo, é preciso deixar as ideologias, manter os valores universais e intentar a conversão do próprio agente.» Posto isto, Feytor Pinto libertou-se rapidamente das roupagens do teólogo e do catequista, adoptanto o discurso directo do metodólogo neoliberal. Clarificou as suas perspectivas deste modo: «Deixar as ideologias - Uma vez que o agente da Pastoral Social é normalmente oriundo da classe média, convém recordar que a definição ideológica da classe média é essencialmente a sua indefinição. Eis alguns dos seu traços característicos: paira por cima das coisas, oscilando à direita e à esquerda sem se comprometer, mantendo quase sempre neutralismos que mais parecem acomodação oportunista, julgando poder negociar as soluções por qualquer preço; tem o gosto por teorias abstractas - a intelectualização dos problemas, o revolucionarismo teórico (à esquerda), o sectarismo político e a atitude moralista (à direita), na compreensão e solução das questões sociais; vive no individualismo extremo que se manifesta através do isolamento social, do egoísmo de interesses, do privatismo na solução dos problemas e de uma certa alienação de sabor religioso e espiritual. É que o cristianismo não é uma ideologia, é uma experiência de vida», concluía neste ponto o P. Feytor Pinto. Depois, passava ao segundo pressuposto: «Manter os valores universais, todos os valores humanos e culturais que são úteis para a libertação do homem: a preparação técnica posta ao serviço da comunidade; a informação, histórica ou actual que permita conhecer melhor a realidade a converter; a capacidade teórica para analisar as situações e sistematizar os conhecimentos; os valores de carácter humano: a educação, a simpatia, a comunicabilidade, a eficácia. É que Cristo foi exímio na dimensão humana da sua vida
Em seguida, introduzia a terceira alínea da acção: «Intentar a conversão do próprio agente - O activista... tem de realizar uma profunda mudança de vida, na sua relação com o outro e na sua relação com Cristo, definitivamente tornado valor absoluto e referência permanente.» FP dedicou-se, depois, a descrever os modelos de agente, de etapas de crescimento, de mística do trabalho social, de conceito sócio-caritativo e de problemas do método.
Deixemos estes temas para mais tarde. Proponhamos uma comparação entre estes enunciados e as constantes notícias que circulam acerca dos escândalos que ferem a igreja institucional e a descrevem como empresarial, sedenta de maior lucro e de mais poder. As alianças que faz com as forças que oprimem e espoliam os homens.


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