Terrorismo por encomenda

Rui Paz

O calendário é demasiado perfeito para que tudo isto seja verdade

Por coincidência, no momento em que os Estados Unidos e os seus aliados da NATO preparam uma conferência para prosseguir a chamada guerra contra o terrorismo no Afeganistão, um nigeriano bem conhecido da CIA e da embaixada norte-americana no Iémen pôs em pânico no dia de Natal o mundo ocidental. Há em toda esta história a sensação de estarmos a rever um filme antigo e bem conhecido. Como já é habitual, também desta vez os serviços secretos estavam informados da existência e do plano do agente bombista através da embaixada dos EUA no Iémen. A sua identidade e curriculum foram imediatamente divulgados. Um homem solitário vindo do deserto e das cavernas do Iémen acaba por vencer a tecnologia sofisticada da maior potência mundial e ludibriar os serviços secretos mais poderosos do mundo. Quando se trata de arranjar argumentos para atacar este ou aquele país soberano, a CIA e o Pentágono sabem tudo. Mas nos momentos «apropriados» sempre «falham» todos os mecanismos de segurança.

Compreendendo a importância da encomenda, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, considerou que a «instabilidade» no Iémen é uma ameaça «regional e mesmo mundial» enquanto o primeiro-ministro britânico Gordon Brown convocou precisamente para o dia 28 de Janeiro, altura em que os Estados Unidos e a NATO irão decidir a intensificação da agressão contra o Afeganistão, um encontro sobre «o combate ao terrorismo» no Iémen. O calendário é demasiado perfeito para que tudo isto seja verdade.
Está cada vez mais claro porque é que Obama e os sectores da oligarquia que o apoiam procuram manter e reforçar a estratégia da chamada «guerra contra o terrorismo». Uma estratégia muito mais abrangente e perigosa do que a da «guerra humanitária». «Terroristas» podem em princípio esconder-se em qualquer país, em qualquer lugar, bramir ameaças indefinidas e de difícil comprovação, mas facilmente apresentadas como perigos eminentes pelos serviços secretos, os média e os comandos da NATO.

O teólogo alemão, Eugen Drewemann, constata numa intervenção pela paz que «a guerra contra o terrorismo consolida o terror. Sob o manto da propagação da democracia, instala-se a ditadura. Esta espécie de humanismo só gera desumanidade (...). Eu oiço que os nossos jovens soldados são cidadãos em uniforme. Mas a guerra transforma-os em seres da idade da pedra na era atómica, faz deles monstros, cães de caça à espera da ordem para serem largados» (Junge Welt, 08.05.07).
Se o objectivo de Obama fosse de facto pôr fim ao terrorismo deveria começar por explicar ao povo norte-americano porque é que o Congresso aprovou 400 milhões de dólares destinados a operações visando o desmembramento do Irão. Deveria explicar porque é que o grupo sunita «soldados de deus» (Dschundallah) que tem executado numerosos atentados na região fronteiriça com o Afeganistão se encontra na lista de financiamento da CIA, como outrora os talibãs. Benazir Butho, ex-primeira-ministra do Paquistão, assassinada em Dezembro de 2007, revelou que «a ideia dos Talibãs era inglesa, a gestão norte-americana, o financiamento saudita e a organização paquistanesa» (Le Monde, 30.10.2001).
Se Obama desejasse sinceramente combater o terrorismo e as sua causas não precisaria de agredir outros países nem massacrar mais povos. Bastar-lhe-ia começar por investigar na sua própria casa as actividades dos seus antecessores, da CIA e do Pentágono.


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