A fuga de Peniche foi há 50 anos

Manuela Bernardino (Membro do Secretariado)
A 3 de Janeiro passam 50 anos sobre a heróica e audaciosa fuga de Peniche. Álvaro Cunhal, Jaime Serra, Joaquim Gomes, Francisco Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Pedro Soares, Carlos Costa, Francisco Martins Rodrigues, Rogério de Carvalho e José Carlos «evadiram-se da Fortaleza de Peniche, onde se encontravam presos, para retomar o seu posto de combate contra o salazarismo», noticiava o Avante! clandestino n.º 285 de Janeiro de 1960.

A fuga de Peniche constituiu uma extraordinária vitória do PCP

Na saudação que dirigiram ao Partido e ao povo português, os dez destacados quadros que participaram na fuga reafirmam a sua «determinação de os servir como até hoje na luta pela instauração em Portugal de um regime de liberdade e legalidade», reconhecendo «o decisivo auxílio do Partido Comunista Português e da sua Direcção» e enaltecem «a coragem, o espírito de sacrifício e o apoio de numerosos comunistas e portugueses sem partido que nos ajudaram», considerando que sem tal apoio «não teria sido possível levar a cabo com êxito a nossa libertação».
A fuga exigiu uma cuidadosa e aturada preparação quer no interior da cadeia quer no exterior. Foi necessário vencer muitas dificuldades e encontrar soluções para problemas muito diversos, quer no plano político (ganhar o guarda da GNR para o indispensável apoio para a concretização da fuga), quer no plano técnico (fazer entrar na cadeia o clorofórmio para imobilizar o guarda do piso onde se encontravam os presos que fugiram e o aparelho hospitalar que lhe colocaram para não sufocar; arranjar os carros para a retirada, estudo dos percursos, casas para os acolher, etc., e ainda garantir a segurança do guarda que apoiou a fuga, colocando-o no estrangeiro), quer no plano organizativo (levantamento dos diversos aspectos que tal operação colocava, calendarização para os resolver, quadros a envolver, etc.), quer ainda no plano dos recursos financeiros.
«Só a solução conjunta de todas as dificuldades, incluindo as parcelares, tornava viável a tentativa. Uma falta em qualquer delas teria conduzido ao fracasso, com perigosas consequências, importando a situação de uns, a liberdade de outros e até a vida de alguns.»(1) - da avaliação que fez a Comissão Política do CC, em Maio, em que, a par da valorização do feito heróico, se expressa a preocupação de tirar lições para melhorar a actividade organizativa do Partido.
«A fuga do Forte de Peniche (…) representa alguma coisa de novo na luta do Partido contra a repressão fascista»(2) e o Partido, ao fazer a análise dos factores que contribuíram para o seu êxito, salienta: o estudo constante da viabilidade da fuga; a sua cuidadosa e demorada preparação e organização e a coordenação da actividade no interior com o exterior; a concentração de preocupações, recursos e quadros com a centralização de responsabilidades num organismo restrito no interior e, no exterior, o papel do Secretariado; a coragem, a serenidade e a disciplina do conjunto dos camaradas quer no exterior quer no interior e ainda os sentimentos antifascistas do povo português, nomeadamente «no silêncio dos filhos do povo que se aperceberam da fuga durante a sua execução»(3). Só o conjunto destes factores permitiram o êxito da fuga, anulando consequências negativas de várias deficiências que se verificaram, em grande parte como resultado da «súbita e imprevista fixação da data»(4), devendo por isso realçar-se a capacidade de decisão e organização para a concretização da fuga numa data anterior ao previsto.
A fuga de Peniche constituiu uma pesada derrota para o regime fascista e uma extraordinária vitória para o PCP não só pelo elevado número de quadros que nela participaram, mas fundamentalmente pelas suas responsabilidades e experiência política e organizativa. A reunião do CC de Março de 1960 marca o início de uma viragem na orientação política do Partido, destacando-se desde então o inestimável contributo de Álvaro Cunhal que, passado um ano, na reunião do CC de Março de 1961, viria a ser eleito Secretário-Geral do PCP.

Lembrar, 50 anos depois

«Fuga de Peniche – Rumo à Vitória» é a designação das iniciativas que terão lugar, no próximo dia 3 de Janeiro, em Peniche. Pretende-se assinalar um dos acontecimentos mais relevantes da história do PCP e salientar as repercussões que teve no reforço do trabalho de direcção, na sua organização e ligação às massas e no alargamento da sua influência política, pelo que a fuga constituiu igualmente uma vitória para o povo português.
O significativo ascenso da luta de massas a partir de então vai acelerar a crise geral do regime fascista que Álvaro Cunhal tão bem descreve no Rumo à Vitória(5). A caracterização rigorosa que aí se faz da natureza de classe da ditadura e a reposição do levantamento nacional(6) como a via para o derrubamento do fascismo constituem contributos históricos inestimáveis que permitiram definir os objectivos centrais para a Revolução Democrática e Nacional(7) que o 25 de Abril e o processo revolucionário que se lhe seguiu veio, no fundamental, comprovar.
Num tempo de reescrita da história, de apagamento e deturpação do papel dos comunistas na resistência antifascista, em que foram continuamente os construtores da unidade na luta pela democracia e a liberdade, cabe-nos o dever de repor a verdade para o cabal esclarecimento do povo português sobre a luta dos comunistas e do seu partido e para que as novas gerações fiquem a conhecer a história recente do seu país.

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(1) O Militante n.º 110
(2) idem
(3) idem
(4) Idem. A fuga esteve inicialmente marcada para 10 de Janeiro.
(5)Designação do relatório elaborado por Álvaro Cunhal para a reunião do CC (Abril de 1964) e que constituiu as teses 5 para o VI Congresso
6 Colocado no III Congresso (I ilegal), em 1943, e aprovado no IV Congresso, em 1946
7 Designação do Programa do PCP, aprovado no VI Congresso, em 1965


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