Há coisas mais importantes que a esperança

Filipe Diniz
Os votos de bom ano têm certamente uma origem milenar. Provavelmente remontam à revolução neolítica, à influência do ciclo das estações nos bons ou nos maus anos agrícolas, ou seja, em desejar que factores que os humanos não dominavam pudessem contribuir para melhorar a sua vida.
Naturalmente que essas memórias se foram historicamente diversificando e densificando, envoltas em factores religiosos e em outras aspirações, desejos e celebrações, rituais de convivência que ganham dinâmica e valor social próprio e atribuem sentido ao viver colectivo.
E temos, claro, os votos de bom ano que, graças primeiro à rádio e depois à televisão, os governantes se passaram a achar na obrigação de transmitir anualmente.
Quanto aos que nos vêm governando, ainda não começaram a falar e já sabemos que palavras-chave vão utilizar: «pro­blemas», «di­fi­cul­dades», «re­cu­pe­ração», «so­li­da­ri­e­dade», «fra­ter­ni­dade», «es­pe­rança». Lemos a mensagem de Sócrates e lá estão todas, cumprindo rigorosamente o ritual hipócrita que a época impõe a este género de políticos.
Curiosamente, há apenas duas semanas (DN, 16.12.2009) um outro profissional do género escrevia o oposto. Trata-se, claro, de Mário Soares, em crónica intitulada «Pessimismo nacional», traçando um quadro negro do ambiente nacional para, em seguida, desancar nos «pes­si­mistas pro­fis­si­o­nais».
Estão bem um para o outro os dois personagens, um a querer convencer que a política que conduziu o País à crise pode agora fazer o País sair dela, outro a responsabilizar tudo e todos, menos o Governo do seu próprio partido e a desastrosa política de direita de que foi o primeiro e um dos maiores responsáveis.
Tal como os agricultores neolíticos, Sócrates «tem esperança». «Tem esperança» na recuperação da economia, «tem esperança» na resolução dos problemas. Como a sua política não justifica essa esperança, deve esperar que a recuperação da economia e a resolução dos problemas caiam do céu.
Diz o lugar-comum, erradamente, que a esperança é a última a morrer. Para os trabalhadores e para o povo há outras coisas bem mais importantes do que a esperança: a determinação combativa, a convicção de que o futuro se constrói com as próprias mãos, a coragem e a unidade na luta. São elas, e não a esperança, a garantia de uma vida melhor.


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