Medos convenientes

Anabela Fino
Toda a gente sabe há muito que as imagens idílicas da Suíça – sejam as da Heidi feliz e contente correndo pelos Alpes atrás das cabras com o seu amigo Pedro, ou as das vacas em verdes prados pousando para as fotografias de apetecíveis «chocolates de leite», ou ainda as dos relógios com heidis e pedros e cucos a entrar e a sair pontualmente das suas casinhas de faz-de-conta à hora certa – estão longe de corresponder à realidade, para não dizer mesmo que são um embuste tão grande como a muito propalada «neutralidade suíça» que ao longo dos anos serviu às mil maravilhas, entre outras coisas, para pôr a bom recato chorudas contas bancárias de todas as proveniências. De uma forma ou de outra, por isto ou por aquilo, o «bilhete postal» foi perdendo brilho, incapaz de resistir ao confronto com a dura realidade, as mais das vezes contada por protagonistas bem reais que por suíças paragens comeram o pão que o diabo amassou. E se é verdade que muitos deles foi por lá que conseguiram amealhar uns francos para a velhice e que pelo nosso País fora ainda se podem encontrar casas à la maison com janelas à la fenêtre de inclinados telhados que foram perdendo o lustro na inútil espera das neves alpinas, a atestar a fonte inspiradora, não é menos verdade que cada tijolo e cada telha, cada janela e cada porta tem uma história – quantas vezes ainda por contar – de anos vividos em contentores insalubres a trabalhar na construção civil, de horários de sol a sol nos campos agrícolas, de jornadas de exaustão na hotelaria. Por cada história de «sucesso» de emigrantes portugueses, espanhóis, italianos ou de qualquer outra nacionalidade que por terras suíças venderam a sua força de trabalho, há muitas outras histórias de humilhação, sofrimento, discriminação, que passaram por matrículas de carros específicas para identificar os imigrantes, vidas clandestinas por as famílias não se poderem instalar, vidas por um fio em sucessivos contratos sem direito a permanecer no país... Histórias nada condicentes com a fama – e o proveito – da «democrática» Suíça, onde a «democracia directa» é tão grande que até aos nossos dias, num dos cantões, os homens reunidos democraticamente podem decidir que as mulheres não podem votar. E no entanto, apesar de tudo isto, não deixa de causar perplexidade a decisão, tomada agora em referendo, de proibir os minaretes das mesquitas do país. A consulta foi promovida pelo Partido Popular Suíço, de direita, que integra o governo e é maioritário no Parlamento, tendo recolhido o apoio de 57,5 por cento dos eleitores. Os muçulmanos, que representam pouco mais de três por cento da população suíça, são considerados uma ameaça. Os minaretes, pelos vistos, também, por serem classificados pela direita como um «símbolo político-religioso». E não é difícil acirrar medos e reacções xenófobas em tempo de «crise». Veja-se como a direita e a extrema-direita italiana e alemã se apressaram a manifestar compreensão pelos medos suíços.
Curiosamente, não consta no entanto que a exploração da mão-de-obra muçulmana ou, mais significativo ainda, os petro-dólares de outros muçulmanos depositados nos bancos (suíços ou outros) estejam na mira referendária. Os medos têm destas coisas. São muito convenientes.


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