Eleições golpistas

Ângelo Alves

Se dúvidas houvesse sobre o que está em causa nas Honduras agora tudo está muito claro

Nas Honduras, o país onde o seu legítimo presidente está há mais de dois meses confinado às instalações da embaixada do Brasil; onde os golpistas rasgam acordos com a conivência da chamada «comunidade internacional»; onde se perseguem e matam aqueles que prosseguem a luta pela liberdade e a democracia; onde manifestações populares são reprimidas violentamente, aconteceu algo a que alguns se atreveram a chamar «eleições». Uma farsa em tudo similar a outras já por nós referidas noutros artigos do Avante! e que invariavelmente têm sempre o mesmo objectivo: tentar legitimar um crime, branquear os criminosos e dominar um povo, seja nas Honduras, seja no Afeganistão.
Se dúvidas houvesse sobre o que está em causa nas Honduras agora tudo está muito claro. As negociações e acordos – desde São José até ao recente «acordo» de Tegucigalpa rasgado pela clique de Michelleti – não passaram de manobras de diversão de uma estratégia conjunta dos golpistas e do imperialismo para ganhar tempo, tentar «anestesiar» a resistência popular ao golpe de Estado e «legitimá-lo».

Militares nas ruas oprimindo o povo; cercos militares a instalações e zonas de influência da resistência; centenas de «operacionais» estrangeiros a «monitorizarem» o «processo eleitoral», especialmente norte-americanos fazendo-se passar por hondurenhos; estranhas explosões imediatamente atribuídas pelas forças policiais e militares golpistas à resistência, sem qualquer apresentação de provas; irregularidades várias no «processo eleitoral»; dados falsos e altamente inflacionados de participação (70% dos hondurenhos terão respondido positivamente ao apelo de Zelaya de boicote às eleições e o regime golpista anunciou uma participação de 60%), são a história de umas «eleições» que o sub-secretário de Estado adjunto da administração Obama considerou na segunda-feira como «justas e transparentes», afirmando que foram «um significativo passo em frente» para o país. Se ainda houvesse alguém que tivesse dúvidas sobre o envolvimento directo e indirecto dos EUA no golpe de Estado por certo elas estão completamente dissipadas. Assim com estão dissipadas as dúvidas sobre o papel de figuras como Oscar Arias, presidente da Costa Rica e Jose Miguel Insulza, secretário-geral da moribunda OEA, também «pioneiros» do reconhecimento das eleições golpistas juntamente com Álvaro Uribe.

De facto, na óptica de uma administração que acaba de aprovar o envio de mais 30 000 militares para o Afeganistão, de aprovar o maior orçamento militar da história dos EUA e de reforçar a sua presença militar na América Latina com novas sete bases militares na Colômbia, estas eleições golpistas poderão ter sido um passo em frente. Um passo em frente porque o golpe de Estado nas Honduras tem um alcance que vai muito além da realidade política hondurenha. Insere-se numa estratégia de retaliação do imperialismo contra os processos progressistas em curso na América Latina e é sobretudo um teste à eficácia do «smart power» da «Nobel» administração Obama para o sub-continente. É por isso que a luta pelo não reconhecimento das eleições golpistas nas Honduras assume um carácter político e anti-imperialista de alcance estratégico. O reconhecimento destas «eleições» é uma verdadeira ameaça contra os povos da América Latina e um passo mais para novos, mais profundos e perigosos conflitos na região.

Ao momento da redacção deste texto não conhecemos as conclusões da XIX Cimeira Ibero-Americana que se realiza no Estoril. Mas, qualquer outra posição que saia desta cimeira que não o inequívoco não reconhecimento das eleições golpistas nas Honduras seria um muito mau sinal para os povos da América Latina – que acabam de eleger no Uruguai mais um governo progressista dirigido por um antigo guerrilheiro outrora apelidado pela direita reaccionária de «terrorista» – e um duríssimo golpe na já frágil credibilidade deste espaço e destas cimeiras.


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