Albardas há muitas...

Anabela Fino
Numa semana tão recheada de notícias sobre o processo «Face Oculta» – curiosa designação esta, a indicar a fina ironia dos investigadores policiais, já que o mais apropriado seria mesmo qualquer coisa no género «Tem Pai Que É Cego», para usar o dito popular – passou quase despercebido um facto tanto mais relevante quanto de manhã à noite só se ouve falar de tráfico de influências, compadrios, corrupções e coisas que tais: a apresentação na Assembleia da República, pelo PCP, de um projecto de lei visando a criminalização do enriquecimento ilícito. Diga-se, em benefício dos que têm a memória curta, que a iniciativa legislativa retoma na íntegra um articulado apresentado na anterior legislatura e que, a exemplo de tantas outras meritórias propostas comunistas, mereceu o chumbo da maioria. Coincidências ou talvez não, que nestas coisas de combate à fraude há sempre quem defenda e bastamente argumente, como faz o PS ou o PSD dependendo da alternância governativa, que a melhor legislação é a que eles próprios irão oportunamente apresentar, sendo que a mais das vezes a última moda não passa de subreptícia forma de melhor albardar o burro à vontade do dono, chamemos-lhe assim, sem ofensa para o jumento que nem sequer faz parte da história. Do sigilo bancário aos offshores, das (não) tributações aos bancos às mais-valias da Bolsa, sem esquecer as providenciais vírgulas legislativas, o que não falta é exemplos da arte de bem albardar em toda a linha.
O verdadeiro folhetim em que se transformou o processo da «Face Oculta» – esta do «oculta» é de morte, sobretudo tendo em conta que já havia denúncias há mais de dez anos... – fez ainda passar quase despercebida uma outra notícia reveladora do estado do País. Trata-se, neste caso, das dificuldades por que está a passar o empresário Américo Amorim, presidente da Corticeira Amorim, que no terceiro trimestre de 2009 teve um lucro líquido de 5,7 milhões de euros, o que representa um aumento de 60,7 por cento, comparando com os 3,6 milhões do período homólogo de 2008. De acordo com o empresário, em declarações ao Jornal de Negócios, o ano tem sido difícil para a Corticeira, já que a empresa tem «desenvolvido a sua actividade num quadro de recessão económica grave e generalizada». A provar as agruras do capital está o facto de o lucro agora registado ficar abaixo dos 10,5 milhões de euros alcançados em 2008, também ano de crise como se sabe. Assoberbado com tanta ralação, Américo Amorim nem teve tempo de se lembrar dos quase 200 trabalhadores que despediu preventivamente em Fevereiro, por causa da crise, com a bênção do então ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, que ficou de averiguar a legalidade do despedimento colectivo. Vieira da Silva não averiguou nada, mas mudou de pasta e é agora ministro da Economia, uma situação onde certamente não lhe faltará oportunidade para manifestar a sua profunda compreensão para com as dificuldades dos amorins que não deixarão de lhe ir carpir no solidário ombro os milhões a menos que meteram ao bolso.


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