Governos amigos

Jorge Cadima
Adiaram os cortes de postos de trabalho para assegurar a reeleição de um governo amigo

Adiaram os cortes de postos de trabalho para assegurar a reeleição de um governo amigo

No mesmo dia das eleições legislativas em Portugal, também os alemães irão eleger o seu Parlamento. E algumas notícias interessantes surgem a propósito dessas eleições.
O jornal do grande capital Financial Times titula (24.8.09) que existe um «Pacto sobre despedimentos na Alemanha». E esclarece que grandes empresas «adiaram os cortes de postos de trabalho para assegurar a reeleição de um governo amigo do mundo dos negócios nas eleições federais do próximo mês». O jornal cita um homem de negócios: «tem existido um acordo tácito para não despedir, que será revisto após as eleições». E acrescenta o FT: «a situação faz lembrar as eleições federais de 2005 em que – tal como agora – a segurança dos postos de trabalho desempenhou um papel fulcral. No dia a seguir às eleições a Siemens, o maior grupo industrial europeu, eliminou milhares de postos de trabalho». O actual «governo amigo» é chefiado por Angela Merkel. O «governo amigo» de 2005 era chefiado por Gerhard Schröder. Para os portugueses, levanta-se a questão de saber quais as notícias amargas que estão a ser adiadas para depois das eleições – a fim de tentar garantir a «reeleição de um governo amigo» do grande capital no nosso país.

Talvez porque favores com favores se pagam, a chanceler (primeiro-ministro) alemã, Angela Merkel, decidiu realizar a festa de aniversário do Director Executivo (CEO) do colosso bancário Deutsche Bank nas instalações oficiais do governo alemão, a expensas dos contribuintes (Financial Times, 26.8.09). «Ela [Merkel] disse que queria fazer algo para mim» adianta o feliz banqueiro Josef Ackermann. «Deveria convidar cerca de 30 amigos da Alemanha e do estrangeiro com quem gostasse de passar um serão na Chanceleria. E, devo dizer, foi uma noite fantástica». O Financial Times procurou mais pormenores, mas «um porta-voz do governo disse ao FT que não poderia nomear os convidados nem divulgar o custo do jantar, que foi pago a partir da verba anual de 340 000 euros que a Chanceleria dispõe para custos de representação». Em pano de fundo da soirée da classe dirigente alemã está a tremenda crise económica do capitalismo mundial (e alemão). Foi dado grande relevo (lá como cá) à notícia que no segundo trimestre de 2009 o PIB alemão cresceu 0,3% (graças aos incentivos do Estado). Mas passou mais despercebida a notícia de que se a comparação for feita, não com o trimestre anterior, mas com o mesmo trimestre do ano passado, o PIB alemão caiu uns vertiginosos 7,1% (Financial Times, 26.8.09).

Não é a primeira vez na história alemã que um «governo amigo» faz favores ao Deutsche Bank, e vice-versa. Em 1931, aquando da derrocada económica alemã na anterior grande crise mundial do capitalismo, «os bancos Deutsche, Dresden e Commerz foram salvos do colapso apenas graças à intervenção estatal» (The wages of Destruction, Adam Tooze, Penguin Books, 2006, p.105). Anos mais tarde, o Estado alemão foi «recompensado»: «Historiadores que analisaram os arquivos do Deutsche Bank AG encontraram provas de que o maior banco alemão ajudou a financiar a construção do campo da morte de Auschwitz» (International Herald Tribune, 5.2.99). Os campos de concentração nazis não eram apenas campos de morte, mas gigantescos campos de trabalho forçado onde a exploração do homem pelo homem era levado até às últimas consequências. Um exemplo, entre outros (abundantemente documentado no livro acima citado) da relação íntima entre grande capital e nazismo que, nesta semana em que se assinalam os 70 anos do início da II Guerra Mundial, será mais uma vez escamoteada, deturpada e falsificada por «escribas amigos», na sequência do que fizeram os «deputados amigos» na sessão parlamentar da OSCE em Julho.

Importa, pois, exprimir a nossa eterna gratidão à União Soviética, ao seu Exército Vermelho, aos comunistas e povo soviéticos que deram a contribuição determinante para a derrota do monstro nazi-fascista, gerado por um capitalismo em profunda crise. Como escreve Adam Tooze (Professor de História Económica na Universidade de Cambridge): «É indiscutível que foi na Frente Leste que o Terceiro Reich se esvaiu em sangue e que foi o Exército Vermelho o principal artífice da destruição da Wehrmacht». Obrigado, URSS!


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