Visões

Henrique Custódio
A revista Visão produziu esta semana um repolhudo levantamento (10 páginas, um décimo da edição total) contando «A História de Mané e Zézito», deambulação jornalística promovendo a ideia de que os destinos da Pátria dependem da contenda eleitoral entre Manuela Ferreira Leite e José Sócrates, marcada para o próximo dia 27 de Setembro. Para fornecer sustância à coisa usou-se como substância biografias ilustradas de ambos os contendores, tudo enjorcado num relato que procura impingir, em pregão ligeiro, a avassaladora ascenção daqueles dois gigantes na política nacional.
Infelizmente para os escribas, a revista e, sobretudo, os ungidos, a louvaminha contabiliza predicados algo bisonhos para a construção do perfil heróico pretendido.
Em relação a Manuela Ferreira Leite - «a Mané, nome familiar da juventude» -, ficámos a saber que se trata de uma septuagenária lisboeta (faz 69 anos em Dezembro próximo) nascida na alta burguesia do fascismo, até aos 14 anos educada em casa «pelos melhores perceptores», que «obtém o diplomazinho em Finanças em 1963», em plena crise académica que estalara em 1962, mas em relação à qual «Mané passou ao lado», pois nunca teve «qualquer tipo de intervenção cívica, contra ou a favor do Estado Novo». Entretanto, «sendo muito gregária no seio da família, os seus valores foram sempre de dedicação extrema aos seus», juntando à licenciatura em Economia dotes culinários e gosto pelos lavores, interesses que, aparentemente, completaram um quadro mental «onde está ausente uma actividade cultural visível».
A partir dos anos 60 trata da vidinha: torna-se docente do ISCEF e bolseira da Gulbenkian, casa e tem três filhos, como boa e ferverosa católica. Amiga pessoal de Cavaco Silva, com quem se cruzou nas remotas docências de ambos no ISCEF, é pela sua mão que entra na política aos 40 anos e também no PSD, numa adesão serôdia em 1985 que há-de levá-la a sucessivas cadeiras do poder – duas vezes secretária de Estado do Orçamento e ministra da Educação com Cavaco, ministra das Finanças com Barroso -, palmarés que expôs abundantemente a sua incompetência governativa e o seu reaccionarismo político.
Convenhamos: considerar tal «vulto» a «grande alternativa» a Sócrates tem tanta verosimilhança, como a actual propaganda do mesmo Sócrates a proclamar que a sua política foi «de esquerda».
Quanto a José Sócrates – o «Zézito», também «nome familiar de juventude» -, nasce no Porto quase 20 anos depois de «Mané», mas cresce no campo, entre passeios «montado no simpático burrito de Vilar de Maçada, terra transmontana de seus avós», os «mergulhos no Pinhão, em Vilar» ou «as temporadas na Praia de Buarcos», enquanto ia tirando a Primária e fazia o Liceu na Covilhã. O 25 de Abril «apanhou-o a completar o liceu» mas, ao contrário da Mané, não esperou pelos 40 para entrar na política: após uma curta passagem pelo PSD em 1975, instala-se no aparelho do PS e começa a sua fulgurante ascensão política a participar nas «conspirações» que levaram Guterres ao poder, o qual lhe daria responsabilidades governativas que o conduziriam à chefia do PS e do País, para realizar a mais violenta ofensiva contra os direitos e regalias sociais obtidos com a Revolução de Abril.
Ao reclamar-se agora «de esquerda», para ver se escapa ao justíssimo castigo eleitoral, Sócrates merece que se lhe adapte o conhecido aforismo que diz «À mulher de César não basta ser séria, também é preciso parecê-lo».
Ao primeiro-ministro, já não lhe basta «parecer de esquerda»: agora tem mesmo de sê-lo. O que, evidentemente, nem com a ajuda do «Zézito» conseguirá fazer.
Seja como for, apresentar estes dois como os «génios» do ano, é demasiada falta de «Visão»...


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