Honduras: quando perguntar é proibido

Pedro Campos
De acordo com os «gorilas» que derrubaram Manuel Zelaya, a soldadesca saiu à rua a matar porque o presidente pretendia fazer uma pergunta ao povo no dia 28 de Junho, uma sondagem, cujo resultado não era sequer vinculativo. A tal pergunta foi a «desculpa» para assaltar o palácio presidencial e deixar Zelaya, em pijama, na Costa Rica. Mas, afinal, qual foi a tal pergunta de que todos falam e poucos leram? Era assim tão subversiva ou revolucionária que excitasse os neurónios mais retrógrados da oligarquia local? Francamente sim. A pergunta era esta: «Está de acordo em que nas eleições gerais de Novembro de 2009 se coloque uma quarta urna para decidir sobre a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte que aprove uma nova constituição política?» Só ao diabo pode lembrar perguntar uma coisa assim!
Num país onde 80% da população vive na pobreza extrema e 228 dos terratenentes controlam mais de 75% das terras do país, é óbvio que se pode perguntar tudo menos algo que possa levar o povo a definir o futuro político do país. Sondagens há-as todos os dias. Os hondurenses podem decidir (mais ou menos) livremente entre este ou aquele refrigerante ou entre dois sabões que em (quase) nada se diferençam. Mas pensar numa redefinição das leis que possam beliscar o poder dos latifundiários, banqueiros e proprietários dos meios de comunicação, isto é dos donos tradicionais do país, isso nem pensar. Então inventa-se que Zelaya queria perpetuar-se no poder e mete-se no baralho esse fantasma que sobrevoa toda a América Latina: Hugo Chávez.

Inacreditável sucessão de «erros»

Numa declaração feita na Costa Rica, no contexto do infeliz «diálogo» desenhado pelos Estados Unidos para ajeitar a solução do conflito às suas conveniências, um dos representantes do ditador Michelleti admitiu que tinham cometido um «erro». Não importa aqui recordar a qual «erro» se referia esse fascista. Um pouco mais adiante, veremos, na voz de um dos militares fascistas, os verdadeiros motivos do golpe. Reparemos, contudo, nalguns «erros» destes fascistas.
Um – depois de derrubado Zelaya inventam que um tribunal o mandara prender. Se assim foi, porque não foi detido pela polícia mas sim pelos militares?
Dois – se obedeciam a uma ordem de um tribunal por que foram encapuçados e não de cara descoberta?
Três – se o queriam prender, por que razão o deixam na Costa Rica e não numa prisão de Honduras?
Quatro – se mandaram um mandato de captura à Interpol (que não foi aceite), por que o impediram de aterrar em Tegucigalpa? Não seria o momento ideal para o deter?
Cinco – numa primeira tentativa de «legalizar» o golpe fascista, inventam uma carta de renúncia... pré-datada! Quando reparam neste «erro», aparece uma explicação: é que Zelaya enviou a carta por correio! Que low tech! O Fujimori mandou a sua por fax!

Um golpista diz a verdade ... frontalmente!

Vasculhando a Internet, encontramos uma entrevista dada pelo coronel Bayardo Inestroza, máximo assessor jurídico dos militares hondurenses, ao Miami Herald (3 de Julho). De entrada admite que cometeram um crime, um delito, «no momento em que o tirámos do país, na forma como o fizemos...», mas acrescenta que tudo está justificado porque se Zelaya tivesse ficado no país haveria um banho de sangue e agora estariam a enterrar montes de hondurenses!
Inestroza, com 34 anos de serviço militar, confessa que ele e outros militares não podiam engolir a relação de Zelaya com Chávez. Para ele era impossível receber ordens de um «esquerdista» criado num meio burguês (não esquecer que Zelaya, grande proprietário, assinou um tratado de livre comércio com os Estados Unidos e nada fez para eliminar a base militar norte-americana de Soto Cano).
Ao longo da entrevista, recorda que para ele, certamente formado na Escola das Américas, «era difícil ter uma relação com um governo esquerdista. É impossível. Eu teria renunciado, porque o meu pensamento (refere-se à lavagem cerebral), os meus princípios (fascistas, é óbvio!), não me teriam permitido participar nisso».
E que se passará se Zelaya volta ao poder como foi decidido unanimemente por todos os organismos regionais, incluindo ALBA e OEA e até pela ONU? Inestroza responde com franqueza: «Renunciarei e sairei do país, tal como a maioria dos militares» (...) «Eles virão buscar-nos, assim como aos chefes políticos envolvidos nisto».


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